Legislativas em Portugal: "Agora é tempo de Montenegro e de Pedro Nuno Santos"
MAR 11, 2024
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Portugal foi ontem a votos no âmbito das legislativas antecipadas convocadas pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, na sequência da demissão do socialista António Costa do cargo de Primeiro-ministro em Novembro, após terem sido levantadas contra ele suspeitas de corrupção que ainda estão a ser indagadas.

As eleições deste domingo foram marcadas pela derrota do PS que passou de uma maioria absoluta para um pouco mais de 28% dos votos, praticamente lado a lado com a coligação Aliança Democrática do PSD e do CDS-PP que, segundo os resultados já apurados, venceu as eleições com um pouco mais de 29% dos escrutínios, o que lhe dá apenas uma maioria relativa.

Em terceiro lugar ficou o partido de extrema-direita Chega que conquistou um pouco mais de 18% dos votos e que se apresenta doravante como um potencial fiel da balança na vida política portuguesa.

Em entrevista à RFI, Adelino Maltez, professor catedrático de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa analisou os resultados destas eleições.

RFI: O voto no Chega é um voto de protesto ou é um voto de convicção?

Adelino Maltez: É um voto. E não arranja modelos, porque se eu comparar o Chega com o irmão dele francês, União Nacional, neste momento em França, este grupo de extrema-direita existe com uma tradição de 100 anos. O Chega é uma novidade. Uma coisa com cinco anos não vem de nenhuma tradição organizativa da direita radical ou da extrema-direita que existisse antes do 25 de Abril ou na primeira fase do Abrilismo. Isto é uma novidade. Tem uma liderança, até pela idade correspondente a essa qualidade. É dissidente do PSD e, portanto, conquistou o seu espaço na política portuguesa. E agora, vamos ver como é que correm as coisas. Ele aspira a ser uma terceira força que acabe com o bipartidarismo dominante em Portugal. É uma boa intenção, mas ainda está longe disso, porque os grandes partidos portugueses mostraram que eram muito resilientes e que tinham penetração em todo o território nacional. O PSD e o PS, não lhes aconteceu o que aconteceu a partidos deste género noutros países da Europa Ocidental. O Chega mostrou pela primeira vez isso. Só não elegeu deputados em Bragança. De resto, Açores, Madeira, Faro, Alentejo. Norte, Sul, está a caminhar para poder levar o sistema político português a ter um novo pólo. Potencialmente, que é o que já chega. Não parece ser um vento que passa. Vai persistir.

RFI: O Chega elegeu bastantes deputados, nomeadamente no Sul de Portugal e também no Alentejo, que tradicionalmente era mais esquerdista. Como é que se pode analisar estes resultados? 

Adelino Maltez: Isso são filmes a pôr o Alentejo a rimar com reforma agrária, quando os grandes partidos que conquistaram eleições, quer o PS quer até ao PSD, já tinham essa posição há muitos e muitos anos. O PCP não era a força dominante no Alentejo. Portanto, o Chega demonstrou que consegue ser um partido urbano, consegue ser um partido rural, consegue ser um partido do Sul, do centro e das ilhas. Consegue ter uma dimensão nacional. É a primeira vez que o conquistou. Nada é definitivo, mas tem aqui um programa para se consolidar. E o Chega é muito frágil, precisa de ter opinadores, precisa de ter pensamento próprio, precisa de dizer que é um bocadinho mais do que o André Ventura. Portanto, o Chega tem muito trabalho a fazer para poder atingir a dimensão de permanência do PSD e do Partido Socialista. Pronto, temos tudo. Temos o Rui Tavares (do Livre), que também fez um trabalho excelente de multiplicação do seu projecto. Mantemos o PAN, o PCP ainda tem bandeira, o Bloco de Esquerda, a mesma coisa. Portanto é um espaço bastante pluralista, competitivo. E essa coisa da governabilidade, a maior parte das democracias da Europa são democracias "consociativas". Os eleitorados fragmentados não são símbolo da falta de qualidade da democracia, antes pelo contrário. E as maiorias relativas são o normal numa democracia ocidental. Portanto, cada um tem que mostrar o que vale permanentemente. Nesse sentido, o acto eleitoral correu muito bem, menos na questão dos emigrantes. Devemos ter mais cuidado nisso, porque senão sentem-se marginalizados. 

RFI: Relativamente ao desempenho do Partido Socialista, há quem aponte o dedo a António Costa relativamente a esta derrota. Isto prende-se com a actuação de Costa ou com o desempenho de Pedro Nuno Santos?

Adelino Maltez: Os números passaram de 40 e tal para quase 30. Foi perder, não é? Quer dizer, António Costa desleixou-se de escolher os melhores para serem ministros e números dois. Desleixou-se porque pensou que ainda estava na primeira fase do Governo e que bastava uma entrevista dele, um discurso, para recuperar erros de governo e falta de política pública quanto ao fenómeno da corrupção, quanto à degradação da saúde, da educação, etc. Portanto, um homem só não consegue vencer estes desafios. Foi o que se verificou. Agora, isso não significa que houvesse um ódio, uma onda social, contra o António Costa, antes pelo contrário.  Desempenhou e ainda vai continuar a desempenhar uma função que é reconhecida pelos portugueses. E os resultados não foram uma derrota esmagadora. Foi ela por ela.

RFI: Há quem também aponte o dedo a Marcelo Rebelo de Sousa, que tem sido apontado como quem andou a tentar fazer com que o seu partido voltasse ao poder e, no fundo, ganhou a aposta, mas por uma unha negra.

Adelino Maltez: Não. Os Presidentes portugueses, incluindo Marcelo Rebelo de Sousa, quando vão para Belém, deixam o cartão partidário para trás. É injusto dizermos isso de Marcelo. Como Marcelo é muito interventivo no plano do discurso, até parece que a Constituição lhe dá assim muitos poderes para este efeito. O Presidente da República em Portugal, Marcelo e os antecessores, são notários do regime. O que eles vão é subscrever a escritura que dá um momento de primazia ao Parlamento sobre o presidente. Portanto, nós temos um sistema semipresidencial. Só se houvesse uma crise institucional grave é que o Presidente tinha intervenção, nomeadamente usando aquilo a que chamamos a "bomba atómica" (dissolução do parlamento e convocação de legislativas antecipadas). Agora não é tempo de Marcelo. Agora é tempo de Montenegro e de Pedro Nuno Santos.

RFI: Mencionou o voto emigrante. Ainda se está à espera dos resultados dos círculos eleitorais fora de Portugal que representam quatro deputados. Dados os resultados que foram apurados até agora, julga que pode haver uma mudança significativa?

Adelino Maltez: Julgo que não. Em termos de preferências, julgo que devia haver uma mudança significativa, para pelo menos 40, nunca quatro. Portanto, isto passava para um esforço de mobilização pedagógica e de dizer aos emigrantes que vale a pena votar, porque podem decidir. O que nós estamos a dizer é que com quatro deputados vocês não interessam para nada, é só para fazer uns discursos no 10 de Junho. Portanto, é muito pouco para aquilo que é a realidade da emigração portuguesa.

RFI: Entretanto, estamos num cenário em que a AD tem neste momento uma posição maioritária, mas não tem maioria absoluta. Luís Montenegro (cabeça de lista da AD) disse que "não e não" ao Chega. Mas julga que esta possibilidade de haver um acordo com o Chega está de fora? 

Adelino Maltez: Não. Eu julgo que os políticos têm palavra. Muita gente duvidou do que Montenegro dizia sobre o assunto e ele reafirmou-o ainda ontem. Vamos ter um governo de maioria relativa, até simbolicamente, entrando no número de deputados do PSD, considerando que pelo menos 2 são do CDS. O PSD e o PS vão ter o mesmo número de deputados. Portanto, acho que está tudo dito. Têm que mostrar o que valem a partir do governo. Portanto, significa que o PS não foi esmagado, não houve nenhuma goleada. Até há formalmente um empate entre o PS e o PSD.

RFI: Qual é a margem de manobra de um governo de maioria relativa? 

Adelino Maltez: Pode ser muita, se tiver muita qualidade no governo e se conseguir mostrar que estão ali para fazer reformas. O Cavaco Silva (Primeiro-ministro de 1985 a 1995, antes de se tornar Presidente da República entre 2006 e 2016) começou com maioria relativa e depois transformou-se numa máquina de maiorias absolutas. Depende da disponibilidade de bons nomes e de pessoas com vocação para a política que existam na sociedade, que podem não ser inscritos no PSD, mas que querem mostrar que têm uma ideia sobre determinadas políticas públicas. E este governo não vai ter tempo para pensar muito. Vai ter que resolver o problema imediatamente -como ele promete, em 60 dias- da saúde. E vai ter que ter uma coisa chamada também "sorte". Sorte na política europeia e sorte no discurso. Depende. Tem que criar confiança que vá além dele, a partir de agora. 

RFI: O PS já garantiu que vai ser partido de oposição e isto poderá expressar-se, nomeadamente, no voto da lei mais importante do ano, o Orçamento Geral do Estado. Que estratégia é que poderia ser adoptada pelo PS, pelo Chega que gostaria de participar no Governo e que já disse que poderia ser também um factor de bloqueio no Parlamento? E que estratégia poderia ser adoptada pela AD? 

Adelino Maltez: Se o governo tiver prestígio, nessa altura, chumbar o orçamento, convocar novas eleições, o PSD poderia ganhar as eleições. Eles também têm medo disso, os opositores. Dava o exemplo de Cavaco Silva que reforçou claramente a sua votação depois de incidentes, na altura, desencadeados pelo partido (PRD) de Ramalho Eanes e o PSD esmagou os adversários eleitoralmente. Cuidado. Deitar abaixo um Governo tem custos para quem o deita abaixo. Depende das circunstâncias. 

RFI: Olhando retrospectivamente para o período que Portugal acaba de conhecer, a campanha eleitoral, qual acha que foi o desempenho, por exemplo, da comunicação social durante todo este processo? 

Adelino Maltez: Há uma coisa que é a comunicação social, olhar de forma isenta e procurar a informação última sobre a matéria. A comunicação social foi impecável. Não temos jornais partidarizados no sentido de declararem para que lado é que vão votar. A chamada comunicação social interpretativa, os comentadores, sobretudo das televisões, revelaram muito que não tinham representantes de vários sectores importantes da sociedade portuguesa. Portanto, deviam ter o cuidado de ter comentadores comunistas, comentadores pró-Chega, um comentador católico. Estão muito dependentes dos jogos de corte que tentam pôr um funil e tentam ser missionários de determinado número de estados de espírito. Mas isso não é a comunicação social, é uma parcela que é mais barata de produzir, que é o comentador, o "Achismo". Não esqueçamos que aqui, dado o exemplo do Marcelo Rebelo de Sousa, nós entregamos as noites de domingo ao Marques Mendes ou ao Paulo Portas. Não há aqui espaços opinativos plurais. 

RFI: Quais são os cenários, a seu ver, mais plausíveis neste momento em Portugal?

Adelino Maltez: Que este Governo vai resultar. Como português, e adepto deste regime competitivo, gostaria que acontecesse. Vai dar tempo ao PS para se distinguir e portanto, vai introduzir aqui elementos competitivos que são necessários para a democracia poder funcionar. E vai obrigar o Chega a deixar de ser o senhor André Ventura. Tem que mostrar mais valores, coisa que não fez até agora. 

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