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De segunda a sexta-feira (ou, quando a actualidade o justifica, mesmo ao fim de semana), sob forma de entrevista, analisamos um dos temas em destaque na actualidade.

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Autárquicas: "Resultados representam uma viragem na vida política turca"

O Presidente turco reconheceu a histórica vitória da oposição nas eleições autárquicas. Segundo Recep Tayyip Erdogan os resultados representam um para o seu campo, no poder desde 2002. O Partido Popular Republicano, CHP, social-democrata, mantém as grandes cidades, nomeadamente da capital, Ancara, e da megalópole Istambul, onde Ekrem Imamoglu garantiu um segundo mandato Os resultados representam , defende Dejanirah Couto historiadora, especialista do Médio Oriente e professora na Escola de Altos Estudos de Paris. RFI: ESTE É UM GOLPE INESPERADO PARA RECEP TAYYIP ERDOGAN?  DEJANIRAH COUTO: Sim, até certo ponto é porque, embora ele já tenha indicado que não se iria apresentar para um último mandato, aparentemente, o que apesar de tudo é uma espécie de coquetterie porque ele ainda tem a possibilidade de modificar a Constituição e de se apresentar num próximo mandato. Em termos gerais é uma é uma surpresa porque se não pensava que a oposição fosse capaz não só de liderar num certo número de grandes cidades, como acabou de enumerar, mas também de estender a sua influência, o seu voto em regiões que eram tradicionalmente da AKP, portanto o partido do Presidente. ESTA É A PRIMEIRA VEZ DESDE QUE ERDOGAN CHEGOU AO PODER, HÁ VINTE E UM ANOS, QUE O SEU PARTIDO FOI DERROTADO NAS URNAS EM TODO O PAÍS? Isto representa realmente uma viragem muito considerável, muito, muito, muito importante porque nas últimas eleições, como se verificou, ele ganhou por uma larga maioria, como era de esperar. Portanto, esta recomposição política num curto espaço de tempo é bastante surpreendente. É claro que ela pode ter razões internas e externas, mas não há dúvida nenhuma que isto vai representar uma viragem na vida política turca. E como a Turquia é ao elemento importante não só da NATO, mas igualmente do ponto de vista regional, este novo voto pode significar uma viragem igualmente do ponto de vista da sua política externa. Vamos ver, portanto, o que sucede. PARA A OPOSIÇÃO, ESTES RESULTADOS VÃO MUDAR ALGUMA COISA? Estes resultados para a oposição vão mudar de dois pontos de vista. Por um lado, vão psicologicamente ter um efeito muito positivo porque nas últimas eleições ganhas por Erdogan, a oposição ficou efectivamente num estado, digamos, de prestação de depressão mesmo, eu diria, sentindo-se incapaz de modificar a dinâmica que o Presidente lançou há 20 anos. Portanto, psicologicamente, isto representa uma vitória muito grande a ser digerida, cuidadosamente, pela oposição, mas tem grandes, grandes efeitos psicológicos. Por outro lado, vai pôr esta mesma oposição diante de um aspecto muito mais prático que é o de saber se eles vão ser capazes e ponho-me aqui um pouco, digamos, na pele dos interessados, se vão ser capazes de gerir toda uma série de zonas ou de manter a sua influência em toda uma série de zonas que tradicionalmente não lhes pertenciam, digamos assim, sociologicamente falando, nem politicamente. Estou a falar aqui de zonas rurais, fora daquelas grandes cidades e fora daquela zona costeira do oeste da Turquia, que é uma zona que tradicionalmente se encontrava nas mãos da oposição. Tudo isto vai significar uma nova vida para a oposição. OS ELEITORES NÃO VOTAM DA MESMA FORMA EM ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS E AUTÁRQUICAS. NO VERÃO PASSADO, OS TURCOS VOTARAM PARA A IMAGEM DO PAÍS NO PLANO INTERNACIONAL. AGORA VOTARAM PARA VER QUESTÕES DE PROXIMIDADE RESOLVIDAS? Sim, sem dúvida. Eu penso que aqui o peso deste escrutínio é realmente as questões de proximidade. E, em primeiro lugar, a questão económica. O facto de a inflação se manter muito alta, o facto de efectivamente as contas públicas estarem num estado realmente difícil de compreender, sobretudo depois das múltiplas medidas e de um grande número de ministros da Economia que foram nomeados. O último episódio desta saga económica tem sido o afastamento, por exemplo, dos líderes de direcção do Banco Central da Turquia e da senhora que foi presidente do Banco Central até há relativamente pouco tempo e que foi efectivamente afastada pelo poder. Portanto, estamos aqui realmente, como disse e concordo plenamente, diante de um voto de reacção a uma situação económica que se tem vindo a deteriorar de uma maneira impressionante desde 2010. Hoje quando se chega à Turquia, são realmente impensáveis os tempos em que o euro ou o dólar significavam um pequeno punhado de liras turcas. Quando se olham agora para os índices, uma lira turca são 35 €. Uma coisa verdadeiramente de enlouquecer. Do ponto de vista do balanço económico é altamente negativo. Apesar do Banco Central ter tomado algumas medidas há relativamente pouco tempo, no último ano. O problema é que a Turquia é um país imenso. É um país com uma população muito importante e muito elevada e portanto, estas medidas são assim uma espécie de gotas no oceano que não vêm modificar estruturalmente a questão. O voto de ontem, os resultados são efectivamente para mostrar ao partido e ao Presidente que a questão económica se está a tornar realmente uma questão fundamental. Já o era sem dúvida nenhuma. Está-se a atingir o limite do que os habitantes e as famílias podem suportar em matéria de desgaste económico. O TERRAMOTO DE 6 DE FEVEREIRO DO ANO PASSADO PESOU NESTE ACTO ELEITORAL? Terrivelmente. Eu acho que não houve ainda uma apreciação internacional porque há um problema mediático. A questão do do grande terramoto emergiu durante aquelas semanas e mesmo nos primeiros meses do ponto de vista internacional, da informação internacional, mas o desgaste também provocado por este terramoto, não somente no Leste, nas zonas atingidas concretamente, mas o terramoto foi também um terramoto social. E é isso que é necessário compreender. É que em todas as províncias da Turquia, em todas as cidades, em Istambul, em Ancara, em Izmir, nas grandes cidades, praticamente toda a população foi afectada durante o último ano ou de maneira directa ou de maneira indirecta, foram altamente afectados pelo terramoto. Eu vou dar apenas dois pequenos exemplos que dão para se ter uma ideia de como é que se vive no interior, qual é a percepção da população sobre essas questões. Por exemplo, as somas que tinham sido indigitados a grande número de instituições públicas, de educação, de formação, essas somas que tinham sido praticamente postas de parte, bloqueadas para esses efeitos foram completamente desviadas para atender justamente aos efeitos do terramoto. Portanto, houve escolas, academias, universidades, liceus que ficaram completamente sem receberem o que deveriam receber porque essas somas foram desviadas. Um outro segundo exemplo que eu queria dar, que é extremamente importante, que é todo o sector da construção. Na Turquia, o sector da construção, que é um sector blindado e altamente comandado e dirigido pelo grupo governamental, tanto a matéria-prima como a mão-de-obra, com todas as direções relativas à construção civil foram completamente distorcidas e revistas, desviadas justamente para a prioridade que foi o terramoto. E isto em zonas que nada têm a ver com o Leste, quer dizer, em zonas da Turquia Central e zonas da Turquia do Oeste, em determinadas zonas até bastante ricas financeiramente falando, como por exemplo a zona de Esmirna ou zona de Antália. Esse sector da construção civil, viu-se completamente ou abandonado ou bloqueado com centenas e milhares de pessoas sem emprego porque, por exemplo, as matérias-primas utilizadas para a construção civil; a areia, o cimento, etc.. foi tudo monopolizado por ordem governamental para as zonas do terramoto, mas depois nas zonas do terramoto, devido a problemas vários de gestão e já nem diria de corrupção, mas de priorização de organização. Acabaram por não ser afectadas de maneira profícua para essas zonas e portanto, isso foi sabendo-se em zonas muito longínquas do terramoto e causando um péssimo efeito na opinião pública. APESAR DOS RESULTADOS, O PODER VAI CONTINUAR CENTRADO EM ANCARA, NO PALÁCIO PRESIDENCIAL. AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS ESTÃO MARCADAS PARA 2028. ERDOGAN JÁ DISSE QUE NÃO SE RECANDIDATA, MAS ESTA QUESTÃO AINDA ESTÁ EM ABERTO. PODE HAVER MUDANÇAS POLÍTICAS NA TURQUIA DEPOIS DO ESCRUTÍNIO DE ONTEM? A nível das cúpulas, digamos assim, governamentais, acredito que não. Hoje, nos jornais turcos, houve uma série de declarações em que o Presidente disse 'isto é uma grande vitória da nossa democracia'. Portanto, ele está a tentar confiscar estes resultados em seu proveito, dizendo que finalmente acabou um partido altamente democrático e que, portanto, os resultados em que ele perdeu nestas zonas apenas significam que a democracia turca está bem enraizada, que é forte, etc. Não sei até que ponto este tipo de discurso vai durar, mas penso que realmente vai durar. De qualquer modo, não estou a ver que a nível das decisões centrais haja grandes modificações. Não creio, mas a nível local, a nível das municipalidades, a nível de uma vida regional e local eu penso que vai haver modificações daqui até 2028, até mesmo porque o partido AKP que não vai desmobilizar, eles são extremamente motivados, não vai desmobilizar, mas vai ter que ceder algum terreno desse ponto de vista de gestão local ou da gestão municipal. E, portanto, é aí que há uma espécie de brecha na qual a oposição actual pode realmente entrar e confiscar também o seu proveito. Resta saber se serão capazes de o fazer, porque a vida política na Turquia é extraordinariamente complicada. Estou a falar das instâncias da base porque há um trabalho feito pelo partido do poder durante cerca de 20 anos a nível local e, portanto, essa transferência de poderes e hipoteticamente falando, vai dar lugar a uma série de lutas de influência a nível local. É ainda muito cedo para se poder observar ou dizer que efectivamente vai ter consequências desse ponto de vista. Penso que poderemos dizer que teoricamente se poderá esperar agora uma certa modificação a nível das bases, a nível da população em determinados sectores, mas que o aparelho todo se desloque depois destas eleições, creio que não porque até mesmo as cúpulas vão continuar perfeitamente fiéis, que haja resultados favoráveis ou desfavoráveis ao poder da propaganda do partido do Presidente, que é extraordinariamente importante também. A contar com a acção concreta desses promotores da propaganda do AKP, que, tendo agora perdido influência em muitas zonas que normalmente lhes pertenciam, eles vão certamente também reagir.

14m
Apr 01, 2024
Resistir com letras de chumbo e muita luta na clandestinidade

O que foi crescer na clandestinidade durante a ditadura em Portugal? Gonçalo Ramos Rodrigues mergulhou nessa luta ainda criança e, aos 14 anos era, com a irmã, o principal “compositor” das páginas que saíam da tipografia clandestina dos pais. Aos 24 anos, foi obrigado a exilar-se em Paris, onde angariava fundos para ajudar as famílias dos presos políticos em Portugal, mas continuava a sentir a vigilância da PIDE. Gonçalo continua em França, tem 82 anos e contou-nos a sua história. Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo https://www.rfi.fr/pt/programas/revolução-dos-cravos/. Neste programa, ouvimos GONÇALO RAMOS RODRIGUES. O que foi viver na clandestinidade durante a ditadura em Portugal? Como se lutava pelo sonho da liberdade perante um regime repressivo em que “”? Gonçalo Ramos Rodrigues foi resistente antifascista ainda antes de saber que já o era. Também foi e é militante do Partido Comunista Português. Os pais eram do PCP desde os anos 40 e desde criança Gonçalo interiorizou comportamentos para fintar a polícia política porque "". * > Esta militância começa muito cedo, começa mesmo antes de eu saber que militava porque os meus pais eram membros do Partido Comunista Português desde os anos 40 e em 1950 ou 51 foram para a clandestinidade e levaram consigo os quatro filhos. Eu, nessa altura, tinha nove anos. E, é claro, já aí, era obrigado a ter um certo comportamento porque a polícia política estava por todo o lado e, portanto, mesmo jovem, era obrigado a dizer mentiras, ou melhor, a esconder verdades. Aos nove anos, Gonçalo acaba por deixar a escola e por pedir aos pais para aprender um ofício: começou por ser aguadeiro, ou seja, transportava um barril de água – quase tão grande como ele - para dar de beber aos trabalhadores que alcatroavam uma estrada da Moita para Palmela. Depois, endireitou pregos e coseu solas numa sapataria, mas foi, aos 14 anos, que se tornou, ao lado da irmã de nove anos, o compositor das páginas que saíam da tipografia clandestina que tinham os pais. ”, conta. Lá imprimiram muita coisa, desde alguns números do jornal , mas também folhetos e outros jornais como , , , entre outros documentos.  * > Já tinha 14 anos e a minha irmã mais nova tinha nove. Os dois, mesmo crianças, éramos os principais, digamos, compositores. Chamava-se compor os textos com as letras de chumbo que depois eram inseridas no prelo para impressão (…) Era eu quem sabia melhor o português de todos os da casa porque o meu pai quase não sabia ler, a minha mãe só aprendeu a escrever na prisão de Caxias, quando esteve seis anos presa, e a minha irmã ainda menos sabia. Quem corrigia os textos, as gralhas, tudo o que havia, era o Gonçalo. Gonçalo sempre escapou às malhas da polícia política e nem ele nem os irmãos moravam com os pais quando estes foram denunciados e presos em 1963. O pai foi para a cadeia do forte de Peniche e a mãe para a prisão de Caxias. Condenados a dois anos e meio de prisão, só saíram em liberdade em 1969 sem que os filhos, na clandestinidade, pudessem ter informações sobre eles. Como era a regra na clandestinidade, os irmãos também não podiam saber uns dos outros para não haver qualquer risco, em caso de detenção. A irmã mais nova, Veríssima Rodrigues, tinha ido para a Rádio Portugal Livre, outra arma na luta contra o fascismo, e o irmão tinha montado a sua própria tipografia. Todos os cuidados eram poucos para não cair nas mãos da PIDE e para não pôr em perigo a própria família e os camaradas do partido. Quando questionado sobre quais as estratégias que usavam, Gonçalo recorda, emocionado, o reencontro fortuito com o irmão, no Porto, depois de terem estado anos sem se verem. E isso aconteceu duas vezes. Da primeira vez, só deram um abraço. Da segunda, o irmão vinha acompanhado da família e de todo o equipamento domingueiro de pesca que indiciava que ele morava por ali. Consequência: por cautela, o partido mandou imediatamente mudar as instalações da tipografia clandestina que o irmão tinha nessa altura. É que, para viver na clandestinidade, era fundamental seguir determinadas regras e saber o menos possível da vida da família e dos camaradas porque a PIDE estava sempre à espreita e a tortura à espera nas prisões do regime. * > . Outro exemplo, anos antes, quando nasceu o sobrinho, foi quando Gonçalo foi incumbido de inventar uma morada numa rua da Amadora para o registo civil, visto que os pais do bebé viviam na clandestinidade. Gonçalo acabou por estar, também, numa vida clandestina e longe da família. Ficou em Portugal até aos 24 anos e nessa altura exilou-se em França, onde teve notícias dos pais quando estava a descascar batatas numa festa do jornal comunista L’Humanité, em 1966. À sua frente, outro português, também a descascar batatas para o almoço. Ambos eram do PCP e da mesma freguesia algarvia. O camarada prometeu-lhe notícias dos pais e, no dia seguinte, chegou a informação que Gonçalo temia: o pai estava preso em Peniche e a mãe em Caxias há três anos. Foram Os pais tinham sido denunciados por uma pessoa que estava a viver em casa deles e que quando foi presa “”. “”, acrescenta Gonçalo. Condenados a dois anos e meio de cadeia, acabaram por só sair em 1969 porque as “medidas de segurança” adicionais eram condicionadas à arbitrariedade do regime. Em Paris, Gonçalo formou um grupo de língua portuguesa da CGT para ajudar os trabalhadores portugueses e que permitia participar nas manifestações do 1° de Maio e contra a guerra no Vietname, por exemplo. Mas a sua actividade principal era angariar fundos para a comissão de auxílio aos presos políticos em Portugal. Um dia, com um grupo de camaradas, às portas de um estádio, estava a distribuir panfletos contra a guerra colonial e andavam também com mealheiros para recolher dons para os presos políticos. A polícia não autorizou e foram levados para a esquadra nos “” [saladeiras] - como eram conhecidas as carrinhas da polícia francesa na altura. Uma outra vez, também fizeram outra viagem até à esquadra por andarem numa feira perto de Bastilha a distribuírem manifestos em português da CGT. A sua actividade militante não passou despercebida e Gonçalo questionou-se se estaria mesmo no que tinha idealizado como “o país da liberdade”. Foi várias vezes interrogado por funcionários da então DST, Direcção de Segurança Territorial – equivalente aos serviços de informações – e desde o primeiro interrogatório percebeu que estavam bem a par do seu percurso de opositor político ao regime português. Gonçalo diz mesmo que desconfia que houve pontes entre este serviço francês e a PIDE. Certo é que, ao contrário da maioria dos emigrantes portugueses, passou nove anos a ter de renovar o título de residência temporária de três em três meses e não conseguiu a tão desejada “carte de séjour” [“autorização de residência”]. * > . O tempo foi passando, Gonçalo viveu o Maio de 68, o mês em que deveria casar com Maria do Céu no Quartier Latin, mas as manifestações e as greves adiaram a boda duas vezes. E foi alguns anos depois, no rádio do primeiro automóvel, um Renault, que chegou a notícia do 25 de Abril. Ainda que a vontade fosse muita de regressar, o partido mandou-o ficar uns tempos em Paris para assegurar a continuação da organização na eventualidade de um volte-face em Portugal.  Gonçalo Ramos Rodrigues acabaria por regressar no início de 1975 para o que chama “” e ainda ficou seis anos, mas depois voltou para França. E foi em Levallois-Perret, 50 anos depois do 25 de Abril de 1974, que nos recebeu para partilhar a sua história, a de um militante antifascista que, sempre na sombra, dedicou a sua vida a uma causa: a liberdade. Com tudo isto, aos 82 anos, este militante antifascista diz que teve “” e que . Contrapomos que nem só de discursos reza a história e que as acções de pessoas anónimas tiveram muito peso colectivo na luta contra a ditadura. “”, admite. “”.

20m
Mar 31, 2024
Os "invisíveis" de Paris que lutaram contra a guerra colonial e a ditadura

Paris foi um abrigo para muitos exilados portugueses e inscreveu-se no mapa das lutas políticas contra a ditadura e a guerra colonial. Comités de apoio a desertores, jornais, concertos de música de intervenção, teatro, angariação de fundos para as famílias de presos políticos e para os trabalhadores em luta em Portugal foram algumas das formas encontradas na emigração para resistir à ditadura portuguesa. Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo. https://www.rfi.fr/pt/programas/revolução-dos-cravos/Neste programa, ouvimos, em Paris, VASCO MARTINS E ARTUR MONTEIRO DE OLIVEIRA. Entre 1961 e 1974, houve cerca de 9.000 desertores e 20.000 refractários, aos quais se juntaram 200.000 homens que nunca compareceram quando chamados pelos regimentos. Os dados são do historiador Miguel Cardina, baseado nos arquivos do exército português e retomados na obra “ (2019). A maioria exilou-se em França, outros instalaram-se no Luxemburgo, na Suécia, nos Países Baixos, na Dinamarca, na Alemanha, na Bélgica e no Reino Unido. Paris era quase sempre um local de passagem obrigatório e muitos jovens eram ajudados por redes familiares ou de amizade, organizações políticas e caritativas francesas e comités de apoio aos desertores. “ de exilados portugueses passaram pelo 15 Rue du Moulinet, em Paris, a casa onde vivia Vasco Martins depois do Maio de 68. Eram insubmissos, desertores e refractários que recusavam a guerra colonial. A história de Vasco Martins é contada no documentário https://www.rfi.fr/pt/programas/artes/20230808-emigrantes-invisíveis-que-lutaram-contra-o-colonialismo-homenageados-em-filme, de Hugo dos Santos, porque Vasco foi um desses anónimos que ajudou o movimento de apoio aos desertores. Fomos à Associação Memória Viva, presidida por Vasco Martins, em Paris, para viajarmos até àqueles tempos de luta. Ele começa por contar que foi viver para o número 15, Rue du Moulinet, depois de ter participado no Comité de Acção de Paris 14 durante o movimento de Maio de 68. * > No fim desse ano, fui para uma casa em Paris e nessa casa tive a oportunidade de começar a receber. Eu tinha condições possíveis para receber refractários e desertores e foi assim que começou. Quer dizer, não era realmente um comité nessa altura, mas foi aí que começou realmente a desenvolver-se. Eram refractários e desertores que vinham de Portugal, que atravessavam a Espanha clandestinos e que chegavam a França. E era a maneira de poder albergar e tentar arranjar-lhes trabalho de maneira a que as pessoas se pudessem desenrascar. Vasco Martins não sabe, ao certo, quantas pessoas acolheu, mas diz que foram “”, não apenas jovens que saíam de Portugal antes de serem mandados para a guerra nos territórios colonizados, mas também “”. Anos mais tarde, Vasco Martins descobriu que estava na mira da PIDE, assim como a sua casa na rua do Moulinet. * > Foi uma coisa que só vi muitos anos depois, na Torre do Tombo, onde estava realmente o meu mandado de captura pela PIDE. O 15 Rue du Moulinet foi denunciado e no comunicado da PIDE estava o meu nome completo. A PIDE dizia que tinha desmantelado uma rede de apoio aos refractários e desertores, que essa rede ia até o 15 Rue du Moulinet. Realmente estava um comunicado da PIDE, onde exigiam a minha captura. Houve jovens que falaram no café ou noutros sítios e chegou à PIDE através de bufos. O que o motivava a abrir a sua casa a tanta gente era, em primeiro lugar, Depois, porque esperava que . Por outro lado, acreditava simplesmente que era o seu “”. Vasco Martins era também refractário. Em Abril de 1961 foi à inspecção e em Setembro deveria começar a tropa. Totalmente contra a guerra colonial, que começou em Fevereiro desse ano, em Angola, Vasco deixou Setúbal rumo a Paris no Verão, a bordo de uma carrinha de ostras. Se a polícia perguntasse, era simplesmente o ajudante para carregar e descarregar a mercadoria que ia de Setúbal para Turim, na Itália. Pouco tempo depois de chegar a França, Vasco Martins começou a participar nos comités de apoio às famílias dos presos políticos em Portugal. * > A minha primeira actividade, logo nos primeiros anos em que eu cheguei a Paris, foi participar no apoio às famílias dos prisioneiros políticos. Havia reuniões, nomeadamente na Rua Vaugirard, onde - na altura não me tinha apercebido, mas depois apercebi-me -  havia realmente pessoas ligadas ao Partido Comunista Português e também a uma parte da Igreja Católica, padres, operários portugueses que participavam activamente nas campanhas que eram feitas. Vendíamos senhas e o dinheiro angariado era levado para Portugal para ajudar as famílias dos presos políticos. O combate continuou com a angariação de fundos para os trabalhadores em luta em Portugal e com a ajuda aos portugueses que já estavam ou chegavam a França. * > Nas associações e clubes, não só havia as actividades do futebol, havia as actividades de música, teatro e também procurávamos dar uma certa ajuda social no sentido de preencher os documentos em relação à assistência social e tudo isso. Por outro lado, era também falar a propósito da situação em Portugal. Criámos boletins e também jornais, nomeadamente o Jornal do Emigrante. Foi um dos primeiros a serem criados. Era graças ao apoio da Liga Portuguesa do Ensino e da Cultura Popular que distribuíamos e vendíamos também nos mercados e à volta de Paris e dentro de Paris também. Os fundos também eram angariados em festas, nas quais participavam cantores como José Mário Branco, Tino Flores, Francisco Fanhais e outros. O montante angariado e o destino do dinheiro era depois afixado nas associações e também, por exemplo, no jornal , criado em 1972, em Grenoble, e que era vendido em Paris e noutras cidades. No clube da juventude franco-portuguesa, Vasco Martins também participou na campanha de denúncia internacional da deportação do opositor Mário Soares para São Tomé e Príncipe, assim como na campanha para libertar outro resistente à ditadura, o dirigente da LUAR Hermínio da Palma Inácio, quando este conseguiu fugir da prisão da PIDE no Porto e foi capturado em Espanha.   “ESTAVA ABSOLUTAMENTE DECIDIDO EM NÃO FAZER A GUERRA”     Como Vasco Martins, também Artur Monteiro de Oliveira saiu de Portugal determinado em não ir para a guerra colonial. Chegou a França em 1966, a salto, ou seja, clandestinamente, como tantos milhares de portugueses fizeram durante a ditadura. Entre 1957 e 1975 chegaram a França 900.000 portugueses, 550.000 dos quais o fazem ilegalmente e arriscando a vida, de acordo com dados publicados na obra . * > Estava absolutamente decidido em não fazer a guerra, portanto ao sair da cadeia, tinha 19 anos, tinha que ir para a tropa. Recebi uma ordem de apresentação no quartel-general e depois ia para Penamacor, que era para onde iam as pessoas que tinham saído de prisão. As pessoas que tinham questões políticas, e que passavam por Penamacor, iam directamente para a Guiné-Bissau. Artur foi obrigado a desistir dos estudos e começou a trabalhar aos 13 anos na firma Neolux, que produzia anúncios luminosos. Aos 15 anos começou a colaborar com o Partido Comunista Português e, a partir dos 17, iniciou actividade clandestina mais séria. A certa altura, pedem-lhe que acolha uma funcionária do partido em casa da mãe, que alugava quartos. Ainda que tenha abrandado o trabalho partidário para não levantar suspeitas, acabou por ser preso pela PIDE em Outubro de 1965. Tinha 19 anos e ficou na prisão da polícia política no Porto até Fevereiro de 1966. * > A tortura que tive foi o que se chamava, na altura, a estátua. Quer dizer, durante sete dias não pude dormir. Era uma tortura muito banal, frequente. Houve uma altura que apanhei assim uns abanões. Há pessoas que foram muito torturadas. Conheci pessoas que foram torturadas, o que não foi, portanto, o meu caso, a não ser a estátua, que foram sete dias e seis noites, de pé na cela, com um polícia que se revezava porque eu não podia estar sozinho, não me deixavam sentar, não me deixavam encostar à parede. Quando saiu da prisão, Artur decide, então, “” e aventura-se, meses depois, rumo ao exílio. Iniciou a viagem para França na noite de São João em 1966 e chegou a Paris no início de Julho. Graças a alguns contactos, foi parar ao Quartier Latin e começou a trabalhar na fábrica da Renault. Inscreve-se na CGT e vive a sua primeira revolução: o Maio de 68. Foi escrevendo para jornais a alertar para a situação portuguesa e integrou a Liga Portuguesa do Ensino e da Cultura Popular. Criada em 1965, a Liga organizava conferências sobre Portugal, fundou uma companhia de teatro e publicou o Jornal do Emigrante. Nos anos seguintes, vários movimentos dirigem-se aos trabalhadores emigrantes através de jornais como ; através de companhias de teatro, como e o  festas nas quais participam cantores exilados como Luís Cília, José Mário Branco, Sérgio Godinho e Tino Flores. Em Maio e Junho de 68, a casa dos estudantes portugueses na Cidade Universitária de Paris foi ocupada e tornou-se um espaço de discussões e debates. A partir de Paris, Artur Monteiro de Oliveira também arregaçou mangas para denunciar o que se passava em Portugal e para ajudar os que tinham fugido da ditadura. Fê-lo através de artigos em jornais, de acção social, do teatro e do apoio ao movimento dos desertores e refractários. Escreveu, muitas vezes com pseudónimos, para e , difundidos junto da emigração, para , que descreve como “um jornal de resistência”, e para o . Porém, aquilo que considerava a sua “” era a “”. * > O facto de ter uma actividade social junto da emigração era, para mim, uma forma de entrar em contacto com a emigração, distribuir os jornais que nós fazíamos aos portugueses, dar informações sobre o que se passava em Portugal, informações que em Portugal não saíam e  que, por vezes, eram traduzidas dos jornais franceses. Ainda que Artur diga que a sua “”, a PIDE não pensava da mesma forma. Na fronteira portuguesa, havia um caderno com fotografias de indivíduos considerados “perigosos” e ele fazia parte. Por isso, não podia regressar a Portugal. Paris foi um abrigo para muitos exilados portugueses e inscreveu-se no mapa das lutas políticas contra a ditadura e a guerra colonial. Alguns nomes fizeram história em Portugal, outros ficaram anónimos e preferiram continuar a viver em França e a abraçar novas lutas até hoje. Vasco Martins e Artur Monteiro de Oliveira continuam no mundo associativo. O primeiro dirige a Associação Memória Viva que faz actividades para a recolha e transmissão da memória da emigração portuguesa em França e o segundo está na associação Seuil que acompanha jovens em contexto social e educativo difícil e na associação Anticor de luta contra a corrupção. 

27m
Mar 30, 2024
Guiné-Bissau: Filme "Ressonância em Espiral” apresentado em Paris

foi rodado na aldeia de Malafo na Guiné-Bissau, o filme é da autoria de Filipa César e Marinho de Pina. A longa metragem foi apresentada esta quinta-feira, 28 de Março, em Paris, no festival Cinéma do Réel, um certame dedicado ao documentário. RFI: “RESSONÂNCIA EM ESPIRAL” ACOMPANHA MOMENTOS DA VIDA DIÁRIA DA POPULAÇÃO DA ALDEIA DE MALAFO, NA GUINÉ BISSAU, ONDE SE ESTÁ A CONSTRUIR UM PROJECTO COLECTIVO. A MEDIATECA 'ABOTCHA', EM BALANTA SIGNIFICA 'NO CHÃO', ARQUIVA DOCUMENTOS HISTÓRICOS QUE SE VÊEM E OUVEM AO LONGO DO DOCUMENTÁRIO. DE ONDE SURGIU A IDEIA DE ACOMPANHAR A CONSTRUÇÃO DESTE PROJECTO? O filme é menos sobre a construção, mas sobre as construtoras e sobre as mulheres porque vamos dizer que a terra é uma mulher. O feminino é o centro do filme, o nascimento, o útero de onde vem tudo. As ideias nascem de algum sítio ou o projecto-sonho nasce de algum sítio. Ali está centrado também essa ideia do tempo e da circularidade, a espiraldade. Tentámos explorar essa ideia no filme, a par de outros processos também que acontecem na vida diária e que afectam a vida das pessoas, da comunidade, do mundo de uma certa forma porque as intempéries que o ser humano enfrenta podem ser diferentes, dependendo do sítio e contexto, mas acabam por convergir sempre para aquele mesmo ponto de desestabilizar as relações humanas. É um dos aspetos do filme como sonhar para contrariar a entropia? PORQUÊ ESTE FILME E ESTE PROJETO, COMO É QUE SURGE ESTA IDEIA DE TUDO ACONTECER NESTA ALDEIA GUINEENSE? O filme é só uma parcela e representa só uma ínfima parte disto. O trabalho que temos feito em Malafo, eu costumo dizer, é resultado de encontros, de convergências e de coincidências. É a história, por exemplo, Amílcar Cabral organizou a luta armada, lutou para libertar a Guiné-Bissau. Já que em Portugal se celebram 50 anos de 25 de Abril, a luta organizada por Amílcar Cabral influenciou bastante a Revolução de Abril, ou seja, não aconteceria a Revolução de Abril, não fosse a luta de Amílcar Cabral. Amílcar Cabral começou a sua luta há muito tempo em 59 começou a luta armada, mas já tinha começado antes. Sana Na N'Hada foi parar à luta por diversas razões e ele foi estudar cinema a Cuba, através de Amílcar Cabral. Ele filmou e foi um dos pioneiros do cinema guineense, ele e outros três companheiros. Sana Na N'Hada começou a filmar e a criar a ideia de sonoteca, de gravar esses materiais e de ter esses arquivos. Ali, naquele espaço, houve uma senhor que teve a ideia de criar uma escola para a sua aldeia.  Eu fui ver um filme da Filipa e Sana a Berlim e acabei por me cruzar com eles. Também tinha uma ideia de criar uma biblioteca na minha aldeia. São muitos sonhos similares que acabaram por convergir neste trabalho. Como esta escola em Malafo nasceu depois de 74, eles tinham a escola e a escola foi construída pela comunidade e é gerida pela comunidade. Eles queriam uma biblioteca e nós queríamos fazer uma mediateca, então foi o casamento perfeito. Há convergências de intenções e de vontades e são várias histórias que se convergem no mesmo ponto e várias histórias que tencionam olhar para o depois, cada um à sua maneira, mas numa ideia de comungar tudo. E isso é que temos estado a trabalhar lá, como o Sana fala no filme de concertação, dos métodos de concertação: Não tomar uma decisão sozinho, mas tomar em conjunto e tentar beneficiar o máximo das pessoas, tomando essa decisão sem criar rupturas na comunidade e na estrutura social comunitária. O QUE O SANA DIZ É QUE NÃO INTERESSA IMPLEMENTAR UMA NOVIDADE PELA NOVIDADE EM SI, MAS IMPLEMENTAR ALGUMA COISA QUE SEJA UMA ESCOLHA E UMA VONTADE DE QUEM VIVE NESTA ALDEIA? Sim, é mesmo por aí. Por exemplo, nós temos concertações de espaços diferentes. Quando trabalhamos juntos eu, a Filipa, o Sana, o Sulejmani e o Braima discutimos primeiro a nossa visão e o que desejamos e o que temos para levar para lá. Eles também discutem o que têm, o que querem e depois primeiro fazemos uma reunião para verificar as possibilidades. O que nós pensamos, se é possível, o que eles pensam se é possível. Também costumamos fazer uma coisa que é sessão de sonhos em que todos atiram para a parede, o bar, o que quiser. E QUE SONHOS SÃO ESSES? Por exemplo, a primeira sessão de sonhos que fizemos tinha um miúdo, com os seus 20, que queria prédios enormes, estradas alcatroadas e coisas assim do género. Aquelas pontes que se vêem nos filmes americanos e tinha uma senhora que queria mais árvores, mais palmeiras. Ela aparece no filme mesmo na horta. Ela queria mais palmeiras porque as palmeiras andam a desaparecer e naquela aldeia as palmeiras fazem mais sentido do que os prédios. As palmeiras fazem mais falta do que prédios. Depois dessa sessão de sonhos, plantámos mais de 270 árvores, mas ainda não construímos nenhum prédio alto. Temos a mediateca, mas o padrão do sonho é diferente. NO FILME, DIZEM, A DADA ALTURA, 'FAZ FALTA HAVER MAIS ÁRVORES' E QUE 'AO LONGO DOS ÚLTIMOS 50 ANOS SE TÊM CORTADO ÁRVORES PORQUE ELAS SUJAM AS RUAS'? Sim, é que temos andado a cortar muitas árvores na Guiné, indiscriminadamente, porque a cidade está a expandir-se na Guiné-Bissau, particularmente, a cidade está a expandir-se descontroladamente. Então corta-se tudo, cortam as árvores, não criam áreas específicas de verde para plantar casas e as árvores que estavam na rua andam a ser cortadas. Ultimamente, andaram a cortar mangas nas ruas de Bissau. Se é porque sujam não sei. Desde 2011 houve cortes de madeira indiscriminadas, madeira a ser enviada para a China para não sei onde. Florestas inteiras derrubadas e com árvores que levam 40, 50 anos a terem toda a sua magnificência estabelecida. Na obra que fizemos também cortámos três árvores para fazer a madeira para casa, mas a população tem uma forma de identificar árvores porque o solo é muito duro, algumas não fixam raízes profundamente e eles identificam as árvores mais periclitantes que podem cair com o vento e cortam essas para construir. Entretanto, vamos plantar mais para compensar aquelas que cortámos. Então temos estado a plantar cada vez mais, a ver se daqui a 50 anos possamos dizer "Olha lá, cortámos três, mas... "PLANTÁMOS 500"? Yes! NO FILME OUVEM-SE GRAVAÇÕES DE AMILCAR CABRAL BEM COMO DA ANTIGA COMBATENTE DO PAIGC, CARMEN PEREIRA, QUE FALAM SOBRE A QUESTÃO DO FEMINISMO. A QUESTÃO DO FEMINISMO E DO SONHO DE IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES ERA UM DOS SONHOS DE AMÍLCAR CABRAL. NO FILME, VEMOS MULHERES A OUVIR ESTAS GRAVAÇÕES DE HÁ MAIS DE 50 ANOS, VÊMO-LAS A FALAR COM GRANDE CONVICÇÃO; A DIZER O QUANTO ELAS TRABALHAM, SÃO ELAS QUASE QUE SUSTENTAM AQUELE PAÍS E QUE FAZEM ANDAR A GUINÉ-BISSAU PARA A FRENTE. O QUE É QUE RESTA DESTE SONHO DE IGUALDADE, EXISTE IGUALDADE? Não, o sonho continua por realizar. O que está diferente é que cada vez mais mulheres sabem que esse sonho é preciso construir e que todos temos que ter parte nisso, tanto homens como mulheres. É triste ver e ouvir a senhora falar porque depois de 50 anos a situação não melhorou em nada. O que ela diz e repete é o que o Cabral fala também na sua gravação e a Carmen Pereira; a situação não melhorou. As mulheres têm que trabalhar ainda o dobro para conseguir metade do que os homens fazem e muitas vezes os homens nem trabalham. São as mulheres que sustentam a economia real da Guiné-Bissau e não estou a falar dessa economia de mercado que só certos iluminados conhecem, que é jogar na banca e não sei quantas, mas aquela que põe pão na mesa, que põe as crianças na escola, que põe o país a existir, ainda são as mulheres que fazem essa economia. Perceber que mesmo durante uma luta colonial, onde supostamente o inimigo era o colonialista, Cabral sabia que não... sabia que tínhamos um sistema opressor do patriarcado, que também devia ser destruído junto com o sistema colonialista e mesmo tendo ali os seus companheiros, a maior parte eram homens, boa parte ainda defendia esse sistema que continua a existir porque depois da luta não se fez muito para mudar. Ele falava com os seus companheiros porque sabia a mentalidade que tinha e que era preciso lutar para estabelecer essa igualdade. COMO É QUE SE PODE CHEGAR A UMA IGUALDADE? Primeiro, acho que precisamos de ter consciência enquanto homem dos nossos privilégios e de como, ao tentar manter os nossos privilégios, estamos a criar opressão. Porque os privilégios só existem quando faltam direitos a outras pessoas. De outra forma não seriam privilégios, seria o normal. Temos que saber abrir mão dos nossos privilégios. O Cabral falava do suicídio da classe. Dizia que as pessoas que podiam dirigir o país depois da independência seria a pequena burguesia porque conhecem o aparelho. Entretanto, se não suicidassem a sua classe e trabalhassem para o povo, iam ser só os novos colonialistas vestidos com outra cor e foi o que aconteceu porque a burguesia tomou o poder e manteve todo o sistema colonialista a acontecer. Trocámos a bandeira, tirámos a de Portugal, erguemos uma Guiné-Bissau, trocámos o nome do país, mas o sistema continua a ser o mesmo. É preciso suicidar a classe, suicidar os privilégios e tentar ser mais comunitarialista possível. HÁ UMA PARTE EM QUE VOCÊS RETOMAM NAQUELA ESPÉCIE DE PÂNTANO, EM QUE ESTÃO MERGULHADOS EM VÁRIAS POSIÇÕES E FALAM DE HUMANISMO, DE HUMILDADE E DESSA QUESTÃO DE SUICÍDIO DE UMA CLASSE. 'Acotcha' significa no chão, a filosofia de trabalharmos nesse espaço é uma ideia de horizontalização dos saberes. É descer para o chão, porque muitas vezes o problema é pensar que determinados saberes são melhores do que outros, quando é muito necessário entender sempre os contextos e os tempos. Estávamos ali a discutir a questão de precisávamos de ser humildes e escolhemos aquele lugar porque na lama e brincarmos que é o útero da terra. Estamos ali no útero e sentimo-nos confortáveis para discutir questões muito, muito pesadas. CONFORTÁVEIS, MAS TAMBÉM EXISTE ALI UM DESCONFORTO NALGUMAS POSIÇÕES. Sim, definitivamente, porque mesmo o nosso trabalho não é linear e não é fácil, é cheio de contradições. Mesmo cheio dessas contradições temos que criar um espaço seguro. Mas criar um espaço seguro não é também só deitar ali... É desconfortável também. EXISTE UM ESPAÇO SEGURO? Não sei, mas queremos crer que em determinados momentos conseguimos esses espaços seguros e os espaços moldam-se também, mas o facto de conseguirmos, em determinada altura esse espaço seguro, usarmos a segurança que o espaço provém para falarmos de alguma coisa ou para dirigirmo-nos a alguma questão. Por exemplo, durante aquela apresentação em que ouvimos o Cabral a falar e que aquela senhora falou, estavam muitos homens, alguns homens, não muitos porque geralmente não participam na coisa das mulheres. Estavam alguns homens ali, mas as mulheres sentiram se à vontade para falar disso e alguns homens sentiram-se incomodados e foram-se embora. Naquele instante conseguimos um espaço seguro e, por exemplo, o espaço que temos também ali que construímos, na mediateca é muito usado pelas crianças; uma prática que aprendemos agora e que fazemos muitas vezes são sessões de dormir, sessões de sono depois do almoço porque tinha um miúdo que ia sempre lá depois do almoço fazer uma sesta. Então começámos a fazer a sesta com ele. Nessa parte das mulheres chegámos a fazer uma sessão porque elas trabalham o tempo todo. Foi assim 40 minutos só deitadas a dormir e dormiram profundamente... ISSO FEZ TAMBÉM NO DOCUMENTÁRIO... No documentário vê-se algumas assim relaxadas, a dormir, porque no documentário a forma como está montada parece que estava a ouvir Amílcar Cabral. Algumas ouviram e adormeceram, mas foi mesmo assim uma música lenta, suave, todo mundo a dormir. A PRIMEIRA PERGUNTA TINHA A VER COM A CONSTRUÇÃO DO TEMPO, MAS TALVEZ TERÁ SIDO MAIS A QUESTÃO DE DESCONSTRUIR O TEMPO E DESCONSTRUIR ESTIGMAS SOCIAIS? Não há nenhuma verdade para nenhuma comunidade. As comunidades são feitas de pessoas e como disse, nós fizemos essa sessão de sonhos cada um desejava algumas coisas, coisas diferentes. O que fazemos é ir no mais possível, exequível. As verdades são sempre múltiplas, ainda mais quando muitas vontades têm que convergir para criar uma coisa em comum. Mesmo entre nós, a Filipa e o Sana que falámos mais constantemente porque não vivemos na aldeia, temos visões diferentes e temos forma de achar que chegamos lá também diferente. A diferença não é um problema. A diferença nunca foi um problema. É uma força até quando essa diferença consegue comunicar-se, cria uma força muito mais sólida do que pensar, que é diferente. O problema da humanidade hoje é isso não queremos cá os árabes porque são diferentes e vêm estragar a nossa cultura, como dizem aqui, por exemplo, em francês. Eu até admiro porque eu costumo dizer; os europeus acham que a sua cultura é superior, é a melhor cultura do mundo. Porque é que estão tão com medo de outro que virem destruir essa cultura superior? Se é tão superior assim, provavelmente deviam ficar contentes que os outros venham cá aprender essa cultura superior. ESSA LEITURA É EUROPEIA? E essa é a questão. E a verdade é que o conhecimento está muito bitolado pela visão europeia. A nossa ideia é fazer horizontalização dos saberes porque muitas vezes as epistemologias são sempre determinadas cá nas universidades europeias, mesmo por africanos. Nós estudamos cá e enchemos a cabeça toda dessa visão e reproduzimos à nossa maneira lá. Então, enquanto continuamos a falar da universidade como se fosse um universo, vemos que quem controla a universidade, a Europa e o Ocidente e vamos continuar a manter a hegemonia do pensamento europeu ou da visão europeia das coisas. Por isso falamos da diversidade, pluridiversidades. Há várias formas de saberes e várias formas de fazer o saber acontecer ou transmitir os saberes. MARINHO PINA TAMBÉM É CONTADOR DE HISTÓRIAS, VAMOS ACABAR ESTA ENTREVISTA COM UMA HISTÓRIA? Era uma vez um miúdo que estava sempre a correr porque queria acabar uma casa e não parava para fazer mais nada, só corria para ir buscar lenha e buscar paus e buscar água. Precisava de acabar a casa e sempre que ia a algum sítio conhecia novas pessoas. -Olha, é preciso de pausa: senta-te aqui connosco. -Não, eu tenho que acabar a minha casa. Encontrava pessoas, mas não chegava a conhecer pessoas, porque o que lhe interessava era a sua casa. E depois de muito trabalho e de muita correria, conseguiu ter a sua casa finalmente. Era uma casa maravilhosa, mesmo sólida, com tudo o que era necessário, com tudo o que aprendeu de muitas partes e de gente com quem cruzava e com quem não falava, só tirava. Quando acabou a casa, estava sozinho em casa e queria que fossem visitar a casa, mas nunca teve tempo para criar relações e as outras pessoas.  Vamos criar um final feliz. [Todos] acabaram por perdoá-lo.

18m
Mar 29, 2024
Mercosul e luta contra a desflorestação na ementa da visita de Macron ao Brasil

O Presidente francês Emmanuel Macron efectua desde ontem uma visita de três dias ao Brasil, a sua primeira visita oficial à América do Sul, exceptuando participações em cimeiras internacionais nessa parte do globo. Esta visita acontece depois de um relativo afastamento dos dois países devido nomeadamente aos antagonismos existentes entre Paris e Brasília durante a era Bolsonaro. Com esta deslocação, trata-se agora de dar destaque aos interesses comuns, nomeadamente a cooperação em matéria de defesa, com a inauguração esta quarta-feira no Rio de Janeiro de um submarino de uma série de quatro concebidos pela França, tendo em vista no futuro a transferência de conhecimentos franceses sobre engenhos de propulsão nuclear. Outro assunto que também interessa aos dois países é a protecção da floresta amazónica que se estende até ao território da Guiana Francesa. Neste sentido, os dois presidentes anunciaram ontem o lançamento de uma iniciativa visando angariar um bilião de euros para financiar projectos de desenvolvimento económico sustentáveis e de protecção da Amazónia. Para além dos assuntos que juntam os dois países, existirão também os pontos que dividem, nomeadamente as grandes questões internacionais como a Ucrânia, em que o Brasil assume a sua neutralidade enquanto a França apoia Kiev. Outro assunto em cima da mesa é o bloqueio da França à assinatura do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, aquele que é o dossier mais importante do ponto de vista de Emerson Cervi, professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná. RFI: O BLOQUEIO FRANCÊS AO ACORDO ENTRE A UNIÃO EUROPEIA E O MERCOSUL DEVERIA SER UM DOS ASSUNTOS DA AGENDA DA VISITA DE MACRON AO BRASIL, EMBORA NÃO SEJA MENCIONADO OFICIALMENTE. EMERSON CERVI: Desde Janeiro, quando agricultores europeus, mas principalmente na França, fizeram aquelas manifestações em função dos baixos preços dos seus produtos, o governo francês intensificou os bloqueios para a assinatura do acordo. O problema para o Macron, e aí me parece que esteja a justificativa oficiosa para essa visita, é que existem países da União Europeia que querem um acordo, em especial Alemanha, porque com esse acordo, produtos manufacturados terão mais facilidade para serem exportados da Europa para o Mercosul e, em contrapartida, o Mercosul forneceria à Europa produtos primários. Essa é a grande questão. Então eu diria que essa visita do Macron ao Brasil agora tem duas motivações. E não é verdade que a primeira, a questão ambiental, fosse apenas uma desculpa ou uma justificativa artificial para a visita dele. Porque durante o governo Bolsonaro, quando nós tivemos uma série de problemas de desmatamento na Amazónia e de ataques às populações originárias daquela região, de exploração ilegal de minérios, o crescimento de todos esses crimes, o Macron foi uma liderança internacional que se levantou contra, inclusive com embates directos contra o ex-presidente Bolsonaro. Então é justificável que ele venha, porque ele, naquele momento se apresentou como alguém contrário ao que se fazia no Brasil. Mas não dá para reduzir a agenda dele apenas a essa motivação. Tem a questão comercial clara. RFI: RELATIVAMENTE AO ASPECTO DA PROTECÇÃO DO MEIO AMBIENTE, QUE É O PRIMEIRO PONTO QUE FOI DESTACADO DESTA VISITA, QUE COMEÇOU POR BELÉM, AMBOS OS PRESIDENTES ANUNCIARAM O LANÇAMENTO DE UM FUNDO VISANDO LEVANTAR 1 BILIÃO DE EUROS DE INVESTIMENTOS "VERDES" PARA A FLORESTA AMAZÓNICA, TANTO DO LADO BRASILEIRO COMO DO LADO DA GUIANA FRANCESA. A FRANÇA ESFORÇA-SE POR SE APRESENTAR COMO SENDO UMA NAÇÃO TAMBÉM AMAZÓNICA, APESAR DE NÃO FAZER PARTE DA ORGANIZAÇÃO QUE GERE A FLORESTA. ATÉ QUE PONTO É QUE, DE FACTO, A FRANÇA PODE PESAR RELATIVAMENTE À QUESTÃO DA PROTECÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA AMAZÓNIA, APESAR DA INTERVENÇÃO POLÍTICA QUE TEVE DURANTE A ERA BOLSONARO? EMERSON CERVI: Os Anúncios de fundos e de recursos para a preservação são muito comuns. Uma coisa é o anúncio, outra coisa é a chegada de recursos. No caso do Macron, faz mais sentido porque uma parte dos recursos é para a Amazónia da Guiana Francesa. Então é muito provável que ele se concretize. Mas nós encontramos muitos anúncios de investimentos para conter o desmatamento na região amazónica que nunca saem do papel, nunca chegam na região amazónica. E o que já se provou foi que, para preservar a mata, mais importante do que grandes projectos com recursos bilionários, é manter a população originária no seu local para evitar explorações económicas que causem danos ao meio ambiente. E as populações locais conseguem sobreviver e conviver com a mata em pé sem precisar derrubá-la. Então, o projecto, as políticas de manutenção dessa população, combatendo o que é acto criminoso, desmatamento ilegal e outros tipos de crimes, são acções de Estado. Agora, por outro lado, é preciso considerar também que uma parte dos problemas da região amazónica é transnacional, que se dá em fronteiras entre países e tem ligação com o tráfico internacional de drogas. Então, nesse sentido, é importante ter uma participação de várias lideranças, lideranças internacionais, porque senão, tem destino o produto ilegal da droga que basicamente sai dali para a Europa ou os Estados Unidos. Então, nesse sentido, é que ele se justifica, mas não necessariamente em função do volume de recursos. RFI: MENCIONOU QUE NESTA VISITA HÁ TAMBÉM O ASPECTO DA COOPERAÇÃO ECONÓMICA. EM QUE MEDIDA É QUE, DE FACTO, A FRANÇA ESTÁ PRESENTE ECONOMICAMENTE E ESTA COOPERAÇÃO, ESTAS TROCAS COMERCIAIS, ENTRE A FRANÇA E O BRASIL SÃO IMPORTANTES? EMERSON CERVI: A grande questão é que o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia se dá entre essas organizações supranacionais. A questão central é que, para dificultar a assinatura do acordo, há uma demanda capitaneada pela França, de que haveria algumas restrições às exportações do Mercosul, caso não fossem cumpridas algumas medidas de preservação ambiental. Pois bem, até aí está tudo correcto. Não tem quem se opõe a isso. O que o Mercosul, via o Brasil propôs, em contrapartida, foi que essas medidas de contenção de exportações do Mercosul para a União Europeia, quando elas fossem restringidas por problemas no cumprimento de metas ambientais, que houvesse um organismo de fora dos dois, o Mercosul e da Comunidade Europeia, para avaliar o que não estava previsto na proposta original. Em segundo lugar, que as exportações da União Europeia para o Mercosul também sofressem alguma restrição, que não fosse apenas uma restrição unilateral. Então, é esse o ponto em que os negociadores estão agora. Como fazer para avançar no acordo sem causar nenhum grande prejuízo para um dos lados, sem que um dos lados fique muito mais fragilizado do que o outro? Na proposta original, o Mercosul estaria muito mais fragilizado do que a União Europeia e é em função disso que a assinatura não ocorreu até agora. RFI: JULGA QUE ESTA VISITA DE MACRON E OS CONTACTOS DIRECTOS COM O PRESIDENTE LULA PODEM EVENTUALMENTE DESBLOQUEAR OU, PELO MENOS, FACILITAR ESTE DOSSIER? EMERSON CERVI: Eu creio que sim. Eu creio que houve já esse avanço numa contraproposta. E se eles estão dispostos a conversar, inclusive o Macron vindo até aqui, é porque há alguma possibilidade efectiva de avanço. Mas, como eu disse, essa é a agenda oficiosa. Não creio que tenhamos nenhuma definição pública, um anúncio público de definição sobre isso. RFI: RELATIVAMENTE A OUTRO ASPECTO DESTA VISITA, O ASPECTO POLÍTICO, HÁ MUITOS MOTIVOS PELOS QUAIS O BRASIL E A FRANÇA PODEM NÃO SE ENTENDER, NOMEADAMENTE NO QUE TOCA À UCRÂNIA. PORTANTO, OS GRANDES ASSUNTOS A NÍVEL INTERNACIONAL TAMBÉM ESTÃO EM CIMA DA MESA. EMERSON CERVI: Sim, e aí nesse ponto, eu diria que é mais uma questão de governo do que de Estado. Eu acho que com relação aos Estados, França, Brasil, Mercosul, há uma certa convergência. Eventualmente você pode ter líderes com uma posição sobre um tema sensível como esse num momento e mudar inclusive a posição. Até porque o exemplo da guerra da Ucrânia é uma guerra que já passa de anos. Como se trata de um tema muito distinto em relação aos dois países, a guerra na Ucrânia está muito mais próxima da França do que do Brasil. A França tem interesses muito mais directos, regionais na questão da disputa entre a Rússia e a Ucrânia do que o Brasil, embora o Brasil também importe muitos produtos agrícolas da Ucrânia. Me parece que essa maior proximidade da França relativamente a esse conflito é que explica a diferença entre as posições dos países. Mas não é uma diferença antagónica. Você tem uma posição de neutralidade de um país e uma posição activa de outro país em relação a um dos agentes dessa disputa. Eu não vejo algo tão antagónico assim. RFI: RELATIVAMENTE AINDA ESTA VISITA DE MACRON AO BRASIL, ELA ACONTECE TAMBÉM NUMA ALTURA EM QUE O BLOCO DOS BRICS, DE QUE O BRASIL FAZ PARTE, TEM VINDO A ASSUMIR POSICIONAMENTOS CADA VEZ MAIS PREPONDERANTES A NÍVEL MUNDIAL, COM UMA SÉRIE DE PAÍSES A QUEREREM INTEGRAR ESSE BLOCO. UM BLOCO QUE NÃO TEM PROPRIAMENTE AS MESMAS VISÕES QUE O BLOCO OCIDENTAL SOBRE BOA PARTE DOS DOSSIERS A NÍVEL INTERNACIONAL. NO FUNDO, O BRASIL ACABA POR SER UMA PORTA DE CONTACTO COM A FRANÇA MAIS FÁCIL NESTE MOMENTO? EMERSON CERVI: É. Desde o governo anterior de Lula, uma política internacional é colocar o Brasil numa relação mais próxima dos países do hemisfério sul. Foi daí que surgiram os BRICS com a África do Sul, relacionando e aproximando esses países a partir dessa região. Sem dúvida nenhuma, isso também dá uma força para a relação entre o Brasil e a França, porque a França pode encontrar no Brasil uma porta de entrada para as relações comerciais, inclusive com esses países do Sul-Sul. Embora a França historicamente tenha relações comerciais, inclusive históricas, com países da África. Então, seria um complemento para a França. Eu não diria que seria tão central assim. Mas, sem dúvida nenhuma, essa relação Sul-Sul do Brasil abre uma porta para a relação com os países do hemisfério Norte.

11m
Mar 27, 2024
Diomaye Faye representa “sede de mudança radical do povo senegalês”

É a primeira vez que um candidato da oposição vence as eleições presidenciais logo à primeira volta no Senegal. Esta segunda-feira, uma dezena de dias depois de ter sido libertado da prisão, Bassirou Diomaye Faye foi reconhecido como o vencedor, tanto pelo Presidente cessante, Macky Sall, quanto pelo principal adversário, Ahmadou Ba. É “” e “” que mostra “”, explica o analista político Oumar Dialló. RFI: QUAL FOI A REACÇÃO GERAL À VITÓRIA DE BASSIROU DIOMAYE FAYE NAS PRESIDENCIAIS DO SENEGAL? OUMAR DIALLÓ, PROFESSOR NA UNIVERSIDADE CHEIKH ANTA DIOP DE DACAR E ANALISTA POLÍTICO: COMO SE EXPLICA QUE, DEZ DIAS DEPOIS DE TER SAÍDO DA PRISÃO, BASSIROU DIOMAYE FAYE TENHA SIDO ELEITO? FALA EM “DITADURA DE MACKY SALL", MAS LOGO NO DIA A SEGUIR À PRIMEIRA VOLTA DAS ELEIÇÕES, ELE VEIO DAR OS PARABÉNS E RECONHECER A VITÓRIA DE BASSIROU DIOMAYE FAYE. O SENEGAL É CONHECIDO COMO SENDO UM EXEMPLO DE DEMOCRACIA EM ÁFRICA. PORQUE É QUE FALA EM DITADURA? HÁ QUEM FALE DE SISMO POLÍTICO. PORQUÊ? É A PRIMEIRA VEZ QUE UM OPOSITOR TAMBÉM CHEGA À VITÓRIA LOGO À PRIMEIRA VOLTA. O QUE É QUE ISTO REPRESENTA? BASSIROU DIOMAYE FAYE APRESENTOU-SE COMO UMA FIGURA ANTI-SISTEMA, CANDIDATO DA RUPTURA, COM UMA RETÓRICA SOBERANISTA, PAN-AFRICANISTA, CONTRA AS MULTINACIONAIS, CONTRA O DOMÍNIO ECONÓMICO E POLÍTICO QUE ELE CONSIDERA SER EXERCIDO NOMEADAMENTE PELA ANTIGA POTÊNCIA COLONIAL, A FRANÇA. ELE TAMBÉM FALOU NA SAÍDA DO FRANCO CFA. QUE CONSEQUÊNCIAS É QUE ISTO PODERÁ TER A NÍVEL INTERNO E DEPOIS A NÍVEL INTERNACIONAL? ESTÁ A DIZER QUE AS PROMESSAS DE CAMPANHA ERAM SÓ PROMESSAS E QUE NÃO VÃO SER EXECUTADAS? BASSIROU DIOMAYE FAYE TAMBÉM PROMETEU RENEGOCIAR CONTRATOS DE MINERAÇÃO, DE GÁS E DE PETRÓLEO, CELEBRADOS COM EMPRESAS ESTRANGEIRAS. ISSO É PARA CONCRETIZAR? O ESCRUTÍNIO FOI MUITO SEGUIDO COM MUITA ATENÇÃO NO ESTRANGEIRO TAMBÉM. O SENEGAL É CONSIDERADO COMO UM DOS PAÍSES MAIS ESTÁVEIS DA ÁFRICA OCIDENTAL. DACAR MANTÉM RELAÇÕES FORTES COM O OCIDENTE, ENQUANTO A RÚSSIA REFORÇA AS POSIÇÕES À VOLTA. ESTE EQUILÍBRIO DE FORÇAS VAI MANTER-SE OU O FACTO DE BASSIROU DIOMAYE FAYE TER TIDO UMA RETÓRICA MAIS PAN-AFRICANISTA E MENOS LIGADA À ANTIGA POTÊNCIA COLONIAL PODE MUDAR ALGUMA COISA A NÍVEL GEOESTRATÉGICO? QUAL SERÁ O PAPEL DE OUSMANE SONKO? MESMO TENDO ESTADO PRESO E TENDO TIDO VÁRIAS ACUSAÇÕES POR PARTE DA JUSTIÇA?

10m
Mar 26, 2024
Atentado de Moscovo: " Daesh quer mostrar que reforçou capacidade de ataque"

O ataque de sexta-feira, 22 de Março, a uma sala de concertos nos arredores de Moscovo, que provocou pelo menos 137 mortos e mais de 180 feridos, foi reivindicado por um grupo filiado no Daesh e considerado o mais mortífero em solo russo os últimos anos. João Henriques, vice-presidente do Observatório do Mundo islâmico, considera que com este atentado o Daesh mostra à comunidade internacional que reforçou a capacidade de ataque. O QUE É QUE SE SABE DESTE ATAQUE? Sabe-se que aconteceu numa sala de espectáculos, em Krasnoyarsk, nos arredores de Moscovo. [Este atentado] surge como mais uma reacção do Daesh à intervenção das forças russas na Síria e no Iraque. Aquilo que pretendem através destas acções, com grande número de vítimas, é alertar para o aumento da capacidade [de ataque], depois de terem sido afastados pelas forças de coligação internacionais na Síria e no Iraque. Estas acções representam uma demonstração para toda a comunidade internacional de que estão preparados [para regressar]. PODE FALAR-SE NO REGRESSO DO DAESH? Sim, é o regresso. Se bem que já houve cerca de 50 ataques nos últimos 25 anos, quando o Daesh foi afastado pelas forças da coligação internacional da Síria e do Iraque. Todavia, ficaram pequenas franjas nestes dois países que se deslocalizaram para a Ásia Central e também para África. E em África aproveitaram-se… DA FRAGILIDADE DE MOÇAMBIQUE? Moçambique, Cabo Delgado, é um bom exemplo. Mas diria que os exemplos mais gritantes estão na região do Sahel. Não só o Daesh, como também a própria Al-Qaeda e grupos afiliados, aproveitam a fragilidade destes Estados, alguns deles considerados mesmo Estados falhados, para prepararem novas investidas, particularmente no mundo ocidental. ESTE ATAQUE REVELA AS FRAGILIDADES DA RÚSSIA EM MATÉRIA DE SEGURANÇA? A Rússia terá alegadamente estado distraída com a guerra na Ucrânia. OS ESTADOS UNIDOS JÁ VIERAM DIZER QUE AVISARAM A RÚSSIA… Sim, mas também já houve uma declaração, por parte das autoridades do Kremlin, a dizer que que não foram avisados, apesar dessa informação estar internacionalmente a ser divulgada. Mas mesmo que tivessem sido alertados, nada desculpa que os serviços de informações se tenham alheado dessa possibilidade. A verdade é que aconteceu e é admissível que a guerra na Ucrânia tenha desviado o foco [das autoridades russas]. O PRESIDENTE VLADIMIR PUTIN DISSE QUE OS SERVIÇOS DE SEGURANÇA TINHAM CAPTURADO QUATRO SUSPEITOS QUANDO TENTAVAM FUGIR PARA A UCRÂNIA. A UCRÂNIA, QUE JÁ VEIO NEGAR QUALQUER IMPLICAÇÃO NESTE ATAQUE, TODAVIA ESTA MANHÃ VÁRIAS EXPLOSÕES FORAM OUVIDAS EM KIEV. MOSCOVO TERÁ APROVEITADO ESTE ATAQUE PARA AUMENTAR OS ATAQUES SOBRE A UCRÂNIA? Essa é a posição dos países ocidentais. Que se trata de uma manobra para justificar a intensificação dos ataques em território ucraniano. Mas deixe-me dizer que a Rússia não precisava desta justificação para intensificar os ataques na Ucrânia. Agora, uma coisa parece ser evidente, estes alegados terroristas foram identificados e dois já foram apresentados em tribunal. Quando fugiram de Moscovo, iam a caminho da Ucrânia, estavam muito perto da fronteira com a Ucrânia. Isto pode revelar que tenha havido por parte de algumas entidades ucranianas, porque não até do próprio Governo ucraniano, algum envolvimento no sentido de lhes dar um refúgio. A SER VERDADE, É MUITO GRAVE… É grave. Mas a Ucrânia também pretende dar uma resposta à invasão [russa] que aconteceu há dois anos. Essa gravidade não é considerada pelas autoridades ucranianas, são formas de retaliação. Portanto, em tudo aquilo que as autoridades ucranianas puderem participar, nem que seja na sombra, como terá sido o caso. Embora isso não seja entendido da mesma maneira pelo Kremlin, porque afirma categoricamente que a Ucrânia está envolvida nisto para fazer o enfraquecer, para atenuar a agressão russa em território ucraniano, provocando alguma distracção. E temos um exemplo próximo, que é o que está a acontecer também no Médio Oriente. UM DOS DETIDOS SUPOSTAMENTE ENVOLVIDOS NO ATAQUE CONFESSOU QUE LHES PROMETERAM 500.000 RUBLOS, CERCA DE 5.000 € PARA PARTICIPAR NESTE ATENTADO, UM ATENTADO QUE COMEÇOU HÁ APENAS UM MÊS COM OFERTA MONETÁRIA. O QUE É QUE ISTO REVELA? A ser verdade, é um investimento que é feito para que haja motivação por parte destes grupos terroristas, destes grupos jihadistas salafistas, para que possam, de alguma maneira, sentir-se motivados para este tipo de iniciativas. Mas a motivação é de outra natureza. É uma motivação religiosa também. A motivação está sobretudo centrada na resposta àquilo que consideram ser uma péssima gestão por parte de Moscovo, nomeadamente os grupos jihadistas, estamos a falar do Daesh e deste ramo do Estado do grupo do Islâmico- EI-K- da região de Khorasan- que dizem que os russos têm as mãos com o sangue dos muçulmanos. AQUI EM FRANÇA, O PRIMEIRO-MINISTRO GABRIEL ATTAL ANUNCIOU O REFORÇO DO PLANO DE SEGURANÇA DO PAÍS PARA O NÍVEL MAIS ELEVADO, NA SEQUÊNCIA DO ATAQUE, VÁRIAS ESCOLAS FRANCESAS RECEBERAM, NA SEMANA PASSADA, ALGUNS E-MAILS COM AMEAÇAS. A AMEAÇA DA DAESH VOLTA A ASSOMBRAR A EUROPA? Eu, pessoalmente, nunca acreditei que essa ameaça estivesse extinta. Na verdade, estas duas organizações- estou a falar da Al-Qaida e do Daesh- reorganizaram-se nos últimos tempos. A estratégia foi alterada e o próprio Daesh aproximou-se da estratégia que estava ligada à Al-Qaeda. Neste momento,  o Daesh e  Al-Qaeda também, estão a promover uma expansão deste flagelo, considerando a participação de filiais aqui perto da Europa. Há pouco falei da região do Sahel, porque, mais a leste, estou a lembrar-me da Somália. O Al-Shabab, uma filial da Al-Qaeda, também já ameaçou internacionalizar a sua acção não só no continente africano, como também na Europa. Embora o que aconteceu há dois dias tenha sido na Europa de Leste, quando falamos na Europa Ocidental, a França é um dos países visados nas comunicações que tem havido através das redes sociais por parte do Daesh. Estas comunicações têm visado a França e isso, naturalmente, provoca uma reacção defensiva por parte dos países visados, neste caso a França, que elevou para o nível máximo o estado de alerta, reactivando o modelo de Vigipirate.

7m
Mar 25, 2024
José Vieira volta aos “bidonvilles” portugueses contra amnésia colectiva

O cineasta José Vieira lança o seu primeiro livro, “Souvenirs d’un Futur Radieux”, no qual fala dos bairros de lata portugueses dos anos 60 e mostra que “a mesma história” se repete hoje com migrantes de outras nacionalidades. José Vieira quer acabar com o silêncio em torno da história dos portugueses em França, sublinhando que essa emigração foi um acto de resistência política e uma fuga em massa à opressão e à ditadura. A emigração portuguesa em massa para França, nos anos 60 e 70, foi “” contra a ditadura porque “”, escreve José Vieira no seu primeiro livro, “” , publicado nas vésperas dos 50 anos do 25 de Abril de 1974. Aos 66 anos, o autor de vários documentários sobre a emigração regressa aos tempos da lama e das esperanças no “bidonville” em que viveu e leva-nos até aos acampamentos dos migrantes de hoje. José Vieira aborda os sonhos, as humilhações, os medos e as injustiças daqueles que procuram e parte da sua história para tentar abolir fronteiras e acabar com o silêncio em torno da História dos portugueses em França. O livro imprime um cunho político a uma emigração portuguesa tantas vezes etiquetada como meramente económica. José Vieira aponta esse êxodo como um acto de resistência política contra a ditadura e sublinha que os portugueses fugiam de Nos anos 60, os portugueses fugiam de um regime político que gerava opressão e miséria, hoje são outros migrantes que fogem de outras ditaduras e de outras misérias. A grande maioria vai parar a “bairros de lata”. Também hoje como ontem. “”, resume José Vieira em conversa com a RFI, insistindo que “”. José Vieira é o cineasta que mais tem quebrado silêncios em torno dos bairros de lata portugueses em França. Fê-lo em busca das suas próprias memórias, mas também porque os “bidonvilles” continuam a ser uma realidade com migrantes de outras geografias. Ele próprio foi para França em 1965, com sete anos, e viveu cinco anos no bairro de lata de Massy, nos arredores de Paris. A sua história levou-o a realizar vários documentários sobre a emigração portuguesa para França e a estabelecer paralelos com o presente. e  são alguns dos seus filmes que retratam histórias de exílios, silêncios e ausências. Toda a sua obra cinematográfica gira em torno da emigração, com imagens, sons e relatos que saltam de uns filmes para os outros como se tudo fosse uma vasta odisseia filmada. E foram alguns dos textos dos seus documentários que fizeram nascer o livro “” que, por sua vez, é o título de um dos seus filmes. Os títulos dos capítulos também retomam títulos de filmes, como num ciclo em que tudo recomeça. No fundo, como ele admite, é “”, mas agora “” contra os migrantes. O livro “Souvenirs d’un Futur Radieux”  inaugura a colecção “Brûle-Frontières” da editora francesa Chandeigne.     RFI: O LIVRO É PUBLICADO NOS 50 ANOS DO 25 DE ABRIL DE 1974. DIZ QUE “HÁ ALTURAS EM QUE PARTIR É RESISTIR” E QUE “O NOSSO ÊXODO FOI UMA SUBLEVAÇÃO CLANDESTINA CONTRA UM PODER BRUTAL”. COMO É QUE A DITADURA FOI RESPONSÁVEL POR AQUILO QUE CHAMA DE “HEMORRAGIA HUMANA”, OU SEJA, DE UM MILHÃO E MEIO DE PESSOAS QUE FUGIRAM DE PORTUGAL? JOSÉ VIEIRA, AUTOR DE “SOUVENIRS D’UN FUTUR RADIEUX”: MAS AINDA HOJE, QUANDO SE FALA NA EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA FRANÇA, NOS ANOS DA DITADURA, FALA-SE MUITO EM EMIGRAÇÃO ECONÓMICA. NO LIVRO, O JOSÉ VIEIRA DEFENDE QUE ESTA FOI ESSENCIALMENTE E INTRINSECAMENTE UMA EMIGRAÇÃO POLÍTICA. TAMBÉM MOSTRA QUE A DITADURA CONTINUOU A OPRIMIR OS PORTUGUESES EM FRANÇA. ATÉ TEM UMA FRASE, NO LIVRO, EM QUE DIZ QUE FOI NA ESCOLA REPUBLICANA FRANCESA QUE “APRENDEU A ARTE DE SER UM PEQUENO FASCISTA”… COMEÇA COM UM CAPÍTULO CHAMADO “OS ANOS DE ABRIL”. O QUE É QUE SÃO ESTES “ANOS DE ABRIL”? NO LIVRO FALA DE SI, FALA CONSIGO, MAS TAMBÉM FALA DO SEU PAI, DA SUA MÃE, FALA À SUA FILHA. É A HISTÓRIA DE UMA FAMÍLIA, UMA HISTÓRIA MUITO PESSOAL, DE MUITA LUTA. POR QUE É QUE DECIDIU ESCREVER ESTE LIVRO? UM FASCISMO BRANDO, DÓCIL…? OU SEJA, MAIS UMA VEZ, NESTE LIVRO, COMO EM GRANDE PARTE DA SUA OBRA CINEMATOGRÁFICA, MOSTRA UMA REALIDADE QUE AQUELES QUE A VIVERAM QUISERAM ESCONDER OU ESQUECER. MOSTRA A MISÉRIA, MOSTRA A EXPLORAÇÃO DOS PORTUGUESES, EM CONTRASTE COM AS NARRATIVAS, POR EXEMPLO, DE EMPRESÁRIOS DE SUCESSO EM FRANÇA. HÁ UMA VONTADE DE MOSTRAR OS BASTIDORES, DE LUTAR CONTRA UMA CERTA AMNÉSIA COLECTIVA? FALA EM TRAUMAS. RECORDE-NOS COM QUE IDADE É QUE CHEGOU A FRANÇA E COMO FORAM OS PRIMEIROS ANOS NO BAIRRO DE LATA DE MASSY. O JOSÉ VIEIRA FALA NOS BAIRROS DE LATA, NAS INJUSTIÇAS QUE VIU E QUE VIVEU ENQUANTO EMIGRANTE. AINDA ASSIM, MUITAS VEZES FALA DE UMA “INFÂNCIA FELIZ”. COMO É QUE É POSSÍVEL TER UMA INFÂNCIA FELIZ NUM BAIRRO DE LATA? O LIVRO CHAMA-SE “SOUVENIRS D’UN FUTUR RADIEUX” QUE É O NOME DE UM DOCUMENTÁRIO EM QUE FILMA, JUSTAMENTE, OS MIGRANTES ROMENOS, ASSIM COMO O FEZ NO FILME “LE BATEAU EN CARTON”. O QUE É QUE SÃO ESTAS “MEMÓRIAS DE UM FUTURO RADIOSO”? E A PROVA É QUE AINDA HÁ BAIRROS DE LATA E O JOSÉ VIEIRA CONTINUA A FILMÁ-LOS… O QUE MAIS DÓI NO LIVRO É QUE O RELATO DA SUA VIDA, DA SUA FAMÍLIA NOS BAIRROS DE LATA, DAS INJUSTIÇAS PERMANENTES, DA XENOFOBIA, DOS PRECONCEITOS RELATIVAMENTE AOS MIGRANTES QUE ATRAVESSAM FRONTEIRAS EM BUSCA DE UMA VIDA MELHOR ACABAM POR ESBARRAR NAS FRONTEIRAS HUMANAS. MEIO SÉCULO DEPOIS, OUTROS MIGRANTES ESTÃO A PASSAR PELA MESMA HISTÓRIA. É SEMPRE A MESMA HISTÓRIA? É POR ISSO QUE FAZ FILMES? PARA RECORDAR O QUE FORAM OS BAIRROS DE LATA E FAZER COM QUE AS FRONTEIRAS SEJAM FINALMENTE ABOLIDAS? A DADA ALTURA, NO LIVRO ESCREVE: “SABES, MINHA FILHA, NUNCA SE EMIGRA IMPUNEMENTE. TODAS AS FRONTEIRAS QUE FOI PRECISO ABOLIR PARA CHEGAR AQUI DEIXARAM SEQUELAS”. QUE SEQUELAS SÃO ESSAS? OU, VOLTANDO À MESMA QUESTÃO: PORQUE É QUE É PRECISO QUE O JOSÉ VIEIRA LANCE A CADA FILME UMA PEDRA NO CHARCO AO LEMBRAR O QUE SÃO OS BAIRROS DE LATA, AS DIFICULDADES, AS MIGRAÇÕES, AS INFÂNCIAS ROUBADAS, AS VIDAS ADULTAS EXPLORADAS... HUMILHANTES? VÁRIAS VEZES REFERE-SE A PORTUGAL COMO “O PAÍS DA INFÂNCIA”, MAS TEM UM CAPÍTULO E UM FILME CHAMADO “A ILHA DOS AUSENTES”. COMO É QUE “O PAÍS DA INFÂNCIA” SE TRANSFORMA NA “ILHA DOS AUSENTES”? ESSA ILHA É O PASSADO AO QUAL NÃO SE PODE VOLTAR PORQUE É PASSADO? É “O PAÍS ONDE NUNCA SE REGRESSA”?

26m
Mar 22, 2024
Angola: “As reivindicações são para a sobrevivência dos trabalhadores”

A Força Sindical União Nacional dos Trabalhadores de Angola, Confederação Sindical e a Central Geral de Sindicatos Independentes e Livres de Angola convocaram a greve-geral de três dias, exigindo o aumento do salário da função pública e do salário mínimo nacional e a redução do imposto sobre o rendimento do trabalho para 15%. Ademar Ginguba, porta-voz do Sinprof membro da comissão técnica das três centrais sindicais, afirma que as reivindicações que estão a ser feitas ao Governo são para permitir a sobrevivência dos trabalhadores angolanos. TRÊS CENTRAIS SINDICAIS INICIARAM UM MOVIMENTO DE GREVE GERAL DE TRÊS DIAS. QUAIS SÃO AS VOSSAS REIVINDICAÇÕES? Estamos a pedir um reajuste salarial ao nível da função pública, há também a questão dos subsídios que visam incentivar os nossos colegas que trabalham em zonas recônditas, zonas de difícil acesso, que têm salários idênticos aos colegas que estão nos principais centros urbanos.Temos a questão do imposto do Rendimento de Trabalho- a maneira como foi alterado em 2019 retira-nos parte dos nossos rendimentos- estamos a discutir com o Governo, já há algum tempo, a sua redução. Depois existe a questão do salário mínimo nacional, aquele que é pago pelas empresas, no valor de 32 mil kwanzas. Actualmente, podemos dizer que são cerca de 30 euros, fazendo a comparação como euro. Nós estávamos a exigir inicialmente 300 €, porque o custo de vida é muito alto e os nossos salários empobrecem todos os dias. COMO É QUE SE CONSEGUE VIVER COM 36 EUROS? Não se vive. Nós sobrevivemos todos os dias. O que estamos a discutir com o Governo é mesmo só para a nossa sobrevivência, porque estamos num país que importa quase tudo o que consome, apesar de ter condições para ter uma produção interna robusta. Parece que os nossos governantes andam mais interessados com outras coisas. Andam distraídos com os petrodólares e até aqui nada tem sido feito para aumentar a nossa produção interna. INICIARAM ONTEM UMA GREVE-GERAL QUE SE VAI MANTER ATÉ AMANHÃ, SEXTA FEIRA. QUAL É QUE É O IMPACTO DESTA GREVE? Uma adesão massiva, estamos a viver um momento histórico no país. Com esta greve os trabalhadores mostram que estão cansadas com a condição sócio-económica a que estão submetidas, porque não há soluções. O Governo não tem soluções para resolver os nossos problemas. QUAL É O IMPACTO DESTA GREVE NAS ESCOLAS E NOS HOSPITAIS? O impacto é devastador. No sector da educação, estamos numa semana de provas que foram suspensas. Isso tem impacto depois no calendário nacional escolar que terá de ser reajustado. Nos hospitais temos apenas os serviços mínimos, a força de trabalho foi reduzida até 50%. Nós já temos aquelas enchentes habituais nos nossos hospitais e agora que [a força de trabalho] foi reduzida a 50%, quer para os médicos quer para os enfermeiros, “é o Deus nos acuda”. OS SINDICATOS DENUNCIARAM FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS COAGIDOS E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS. O QUE É QUE NOS PODE FALAR DESTA SITUAÇÃO? Não foi apenas na administração pública, essa situação também aconteceu nas empresas. Estamos a ver documentos que estão a ser expedidos pelas direcções das empresas para coagir e ameaçar os trabalhadores. Ontem, quarta-feira, registámos a detenção, na província do Bengo, de um colega no Hospital Geral do Bengo que acabou por ser posto em liberdade. Mas temos três colegas, dois do sector eléctrico e um professor, que se encontram no Tribunal do Huambo e cuja situação continua por esclarecer. Passaram a noite na cadeia e o único crime que cometeram foi o de exercer um direito fundamental que é o direito à greve. ESSES SINDICALISTAS VÃO SER JULGADOS? Exactamente. Eles vão ser julgados sumariamente, depois de terem passado a noite na cadeia, sob custódia do Serviço de Investigação Criminal. Parece que há uma situação propositada de esgotamento psicológico desses colegas, mesmo sem terem cometido crime algum. O DIREITO À GREVE ESTÁ PLASMADO NA CONSTITUIÇÃO. O QUE É QUE VOCÊS PENSAM FAZER PARA RESPONDER A ESSAS INTIMIDAÇÕES? Ontem, emitimos uma nota de repúdio e agora vamos denunciar esses actos às instituições internacionais, cujos tratados foram rubricados por Angola. Por sinal, está aqui uma diretora da OIT –Organização Internacional do Trabalho-  e vamos assinalar essa situação que está a acontecer. Apesar de não termo confiança na separação de poderes, aqui em Angola, vamos fazer uma queixa crime, porque a lei assim estabelece. Ninguém pode ser coagido, nem molestado por ter aderido a uma greve O GOVERNO DIZ QUE ESTÁ DISPONÍVEL PARA NEGOCIAR. QUAL É A VOSSA MARGEM? Não estamos disponíveis. Fomos nós que nos flexibilizamos nessas negociações. O Governo não se flexibilizou, manteve-se fixo nas suas posições. Repare, exigimos inicialmente o reajuste do salário da função pública, na ordem dos 250%, porque aquilo que os trabalhadores auferem neste país não dá mesmo para viver. Estamos disponíveis para nos voltarmos a sentar com o Governo, porque estamos cientes- quer o Governo, quer nós- que é a única maneira de sairmos desse impasse. Mas se o Governo se mantiver fixo nas suas posições, não vamos conseguir dialogar. Oxalá que, depois de termos chegado até esse extremo, o Governo nos apresente propostas mais concretas, para sairmos desse impasse. Ninguém está satisfeito com a greve, nem mesmo nós. Mas é um recurso legal a que os trabalhadores devem recorrer, sempre que o diálogo não resolver os problemas reivindicados pelos trabalhadores. E SE O GOVERNO CONTINUAR A NÃO RESPONDER ÀS VOSSAS REIVINDICAÇÕES? Não teremos outra alternativa a não ser a greve. Temos uma declaração de greve de Março que sinaliza duas outras fases. Se o Governo não [ceder] vamos continuar a pressionar. Teremos outra fase, com um tempo mais dilatado, de 22 a 30 de Abril e depois teríamos em Junho mais 11 dias de greve. Mas nós estamos cientes que se depender de nós, não vamos chegar até aí. Espero que haja essa abertura da parte do Governo, mas essa abertura não pode ser só por meio do discurso, nem por meio da palavra. O Governo, por outras acções, mostra que não está disposto a resolver este problema. Quem está aqui em Angola não vê, nem ouve na imprensa pública qualquer menção sobre a greve. Ouvem apenas a parte do Governo e não ouvem os representantes dos trabalhadores que estão a reivindicar. São situações muito sérias e que comprometem (a imagem do país]. Na verdade, Angola, enquanto Estado democrático e de Direito, tem compromissos internacionais que deve respeitar. A RFI TENTOU OUVIR O ANTÓNIO ESTOTE, PORTA-VOZ DO MINISTÉRIO ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, TRABALHO E SEGURANÇA SOCIAL DE ANGOLA, MAS NÃO FOIT ATÉ AO MOMENTO BEM SUCEDIDA.

8m
Mar 21, 2024
Aquecimento global: são necessários "fortíssimos investimentos na eficiência energética"

A Organização Mundial da Meteorologia publicou ontem um novo relatório sobre a evolução do clima estimando que existe uma probabilidade elevada para que este ano seja marcado por temperaturas inéditas, depois de 2023 já ter sido o culminar de dez anos consecutivos de records de calor. Com efeito, de acordo com este documento, 2023 foi o ano mais quente jamais registado, com uma temperatura média na superfície do globo de 1,45°C acima do nível de referência da era pré-industrial. As consequências do aquecimento global, as ondas de calor, as inundações, as secas, os incêndios descontrolados e a intensificação dos ciclones tropicais provocam a , abalando o quotidiano de milhões de pessoas e provocando perdas económicas de vários bilhões de dólares, alerta a ONU, cujo secretário-geral, António Guterres, considera que o planeta está Para abordar esta situação, a RFI falou com José Silva, líder da 'Juventude Ecológica Angolana' e com Francisco Ferreira, dirigente da ONG ambientalista portuguesa 'Zero'. Ao constatar o pessimismo das previsões das Nações Unidas, este último refere que este relatório constitui "mais um alerta" e que qualquer acção que possa ser conduzida a partir de agora só a longo prazo poderá surtir efeito. , sublinha Francisco Ferreira. Questionado sobre o facto de os países ocidentais, nomeadamente europeus, terem optado por fazer uma pausa no cumprimento das suas metas ambientais, designadamente devido ao conflito na Ucrânia, o ambientalista português constata que esta situação . São efectivamente necessários investimentos importantes em acções de combate ao aquecimento global, constata igualmente José Silva, Presidente da ONG ambientalista 'Juventude Ecológica Angolana' que ao dar conta das medidas implementadas pelo governo angolano, reconhece que existem imensos desafios. , refere o activista angolano. constata igualmente José Silva para quem Questionado sobre o paradoxo de Angola ser simultaneamente um país produtor de petróleo e um país que também padece dos efeitos do aquecimento global, o militante ambientalista reconhece que Angola continua muito dependente dos rendimentos gerados pelo sector dos hidrocarbonetos, mas não deixa igualmente de constatar que noutras partes do mundo, a economia sustentável está longe de ser uma realidade. diz José Silva referindo que. , conclui José Silva.

11m
Mar 20, 2024
Guiné-Bisau: "A negociação com a Frente Social ainda está em curso"

O Governo guineense reuniu-se nesta segunda-feira, 18 de Março com a Frente Social que iniciou um movimento de greve de três dias nos sectores da saúde e educação. O porta-voz do movimento, Seni Djassi, considera que o executivo chegou ao encontro sem propostas, todavia o ministro guineense da Administração Pública, Aly Hijazi, garante que o encontro foi positivo e reitera que o Governo está aberto ao diálogo. RFI: QUE BALANÇO DO ENCONTRO QUE MANTEVE COM A FRENTE SOCIAL? ALY HIJAZI, MINISTRO GUINEENSE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: Na minha opinião, acho que [o encontro] correu muito bem, apesar de ainda haver alguns pontos por acertar, mas a maior parte dos pontos foram aceites. Vamos continuar [a trabalhar]. O SINDICATO DIZ QUE O GOVERNO CHEGOU SEM UMA PROPOSTA E SEM RESPOSTAS PARA AS REIVINDICAÇÕES, NOMEADAMENTE PARA O PAGAMENTO DE SALÁRIOS EM ATRASO. QUAL É QUE É A RESPOSTA A ESTAS REIVINDICAÇÕES? A negociação está em curso, ainda não terminamos. Tratam-se de uma série de reivindicações e várias alíneas. Então fomos elencando aquilo que os Ministérios, tanto da Educação como o da Saúde, têm condições de aceitar. No final, disseram que vão continuar a fazer a greve. Nós mostramos boa vontade em negociar, apesar das dificuldades que temos em pagar dívidas anteriores. Mas de imediato, aquilo tem que ser paulatinamente aceite. Acho que correu muito bem, pelo nível da discussão que tivemos. Não estivemos a discutir, eram mais trocas de opinião, aceitando ou não as nossas propostas em conformidade, com as questões que foram apresentadas como reivindicação da parte deles. O PORTA-VOZ DO MOVIMENTO FRENTE SOCIAL FALA NUM CERTO DESINTERESSE DA PARTE DO EXECUTIVO NESTAS NEGOCIAÇÕES E DIZ AINDA QUE NEM SEQUER FOI SUGERIDO O DIA DO PRÓXIMO ENCONTRO… Quando se envolve o ministro da Administração Pública, o ministro da Educação, o ministro da Saúde, o secretário de Estado do Ministério das Finanças, mais outros funcionários de alto nível que foram convidados para participar. Não vejo a razão para dizer de que o Governo não tem vontade para negociar. MAS PORQUE É QUE NÃO SUGERIRAM UMA NOVA DATA PARA DAR CONTINUIDADE ÀS NEGOCIAÇÕES? As partes que nós elencamos e que eles anotaram, são eles que têm de analisar essas questões e depois é que nos devem convocar para voltarmos a falar. Nós estamos disponíveis. OU SEJA, O SENHOR CONFIRMA A DISPONIBILIDADE DO GOVERNO PARA NEGOCIAÇÕES? Confirmo sim. Por isso é que eu disse que a negociação ainda continua em curso. Nós não terminamos, a negociação não se termina num dia. E além do mais, não sei se você viu o caderno reivindicativo. PARA ALÉM DO PAGAMENTO DE SALÁRIOS EM ATRASO, HÁ AINDA A EFECTIVAÇÃO DE NOVOS QUADROS CONTRATADOS PELO GOVERNO PARA OS DOIS SECTORES, A ADOPÇÃO DE UM NOVO CURRÍCULO ESCOLAR, BEM COMO A MELHORIA DAS CONDIÇÕES LABORAIS. SENHOR MINISTRO, HÁ UMA SÉRIE QUESTÕES A TRABALHAR.... Por isso, não se pode dizer que terminamos e nem que o Governo não está com vontade de continuar a negociar. Se quatro Ministérios de alto nível se sentaram com frente social, eu não sei mais o que posso dizer. Estamos abertos ao diálogo e a qualquer momento podemos negociar. O PORTA-VOZ DA FRENTE SOCIAL DESCREVE UM CENÁRIO MUITO DIFÍCIL, NOMEADAMENTE PROFESSORES QUE NÃO RECEBEM SALÁRIOS, DAS ESCOLAS QUE NÃO TÊM CONDIÇÕES, HOSPITAIS QUE NÃO TÊM EQUIPAMENTO… Isso não é verdade. Até nas clínicas particulares têm. MAS NEM TODOS OS GUINEENSES TÊM DINHEIRO PARA IR A UMA CLÍNICA PRIVADA… Mas eu estou a falar do Hospital Simão Mendes, que é o hospital público. E ESSE HOSPITAL TÊM CONDIÇÕES PARA TRATAR OS GUINEENSES? Sim, tem condições para tratar determinadas doenças. Outras doenças não tem.  

5m
Mar 19, 2024
Guiné-Bissau : “Se o Governo não reagir as greves vão continuar”

O Governo guineense reuniu-se nesta segunda-feira, 18 de Março, com a Frente Social, movimento que junta vários sindicatos dos sectores da saúde e da educação, que iniciou um movimento de greve de três dias para denunciar o “desinteresse do executivo” na resolução das reivindicações laborais, Em entrevista à RFI, Seni Djassi, porta-voz do movimento, explica que o Governo chegou ao encontro sem propostas e alerta que se não se encontrar uma solução, as greves vão manter-se no país. RFI: QUE BALANÇO FAZ A FRENTE SOCIAL DO ENCONTRO QUE MANTEVE COM O GOVERNO GUINEENSE? Infelizmente, o sindicato esperava que o Governo apresentasse uma proposta ao sindicato, mas essa proposta não foi apresentada. Nós entregamos o caderno reivindicativo no dia 5 de Fevereiro e não houve nenhuma comunicação, nenhum contacto. Mais tarde, entregamos o pré-aviso de greve, a 5 de Março, e tivemos o silêncio absoluto da parte do Governo. AFIRMA QUE O GOVERNO NÃO APRESENTOU NENHUMA PROPOSTA PARA RETOMAR O DIÁLOGO. MAS QUAL É A JUSTIFICAÇÃO DO GOVERNO? Nós, enquanto sindicato, temos pontos [que constam do caderno reivindicativo] e precisamos que o Governo apresente uma resposta. UMA DAS VOSSAS REIVINDICAÇÕES É O PAGAMENTO DE DEZ MESES DE SALÁRIO EM ATRASO AOS PROFESSORES E TÉCNICOS DE SAÚDE. SOBRE ESTA QUESTÃO, QUAIS FORAM AS RESPOSTAS DO GOVERNO? O Governo limitou-se a afirmar que estão a trabalhar para esse efeito. Dizemos que não, porque temos alguns técnicos de saúde e da educação que estão no terreno e estão há meses sem receber. Precisamos que o Governo indique o dia para efectivar o pagamento do salário dessas pessoas que estão a trabalhar sem nenhum tostão.  Não houve nenhuma indicação exacta sobre o pagamento dos salários. COMO É QUE FAZEM OS PROFESSORES E ESTES TÉCNICOS DE SAÚDE QUE ESTÃO NO TERRENO SEM SALÁRIOS? Desde 2019 que estamos a reivindicar o pagamento de subsídios. Recentemente foram contratados técnicos da área da saúde e da educação, é deles que estamos a discutir, e que estão há dois meses sem receber. Imagine uma pessoa numa zona tão longínqua da cidade, onde não têm família, não têm ninguém [sem salário]. Como é que a pessoa pode viver? Nesse caso, o Governo tem que indicar o dia do pagamento e ainda não o fez. OUTRAS QUESTÕES INTEGRAM O CADERNO REIVINDICATIVO. A EFECTIVAÇÃO DE NOVOS QUADROS CONTRATADOS PELO GOVERNO PARA OS DOIS SECTORES, A ADOPÇÃO DE UM NOVO CURRÍCULO ESCOLAR, BEM COMO A MELHORIA DE CONDIÇÕES LABORAIS. SOBRE ESTAS QUESTÕES HOUVE NOVIDADES DA PARTE DO EXECUTIVO? Não houve. Nesse caso, o ponto mais fácil de ser resolvido é o que diz respeito à efectivação. É só o visto do primeiro-ministro e, consequentemente, a publicação no boletim oficial. Porém, não fomos informados quando é que isso vai acontecer. E no que diz respeito à questão da actualização do currículo, há toda necessidade que isso aconteça. Na Guiné-Bissau temos conteúdo que remonta a 1984. Como é que vamos continuar a leccionar com conteúdos já ultrapassados? Em muitas escolas os professores não têm manuais, as aulas são dadas com folhas. É preciso que os alunos tenham manuais desde o primeiro até 12.ª ano. MAS PORQUE É QUE ISSO NÃO ACONTECE? QUAL É A EXPLICAÇÃO DO GOVERNO? É falta de boa fé, porque. Temos quadros e técnicos para o efeito que podem fazer isso e que não vai custar mais do que 2 mil euros. Podem fazer isso, por exemplo, na área da educação, os professores podem fazer uma comparação com o conteúdo ministrado no Senegal, nos países da sub-região e noutro parte do mundo, adequando-o à nossa realidade. Os hospitais, as unidades hospitalares da Guiné-Bissau não têm condições para trabalhar, carecem de materiais. Imagine os centros hospitalares que não tem máquina de ecografia. Imagine no pleno século XXI, um país independente, há 50 anos, que não consegue ter o material necessário para tratar a população. Uma parte da população vai ao Senegal para se tratar. O SECTOR DA SAÚDE E O SECTOR DE EDUCAÇÃO SÃO SETORES FRÁGEIS. NA GUINÉ-BISSAU SÃO RECORRENTES AS GREVES. QUAL É QUE É O IMPACTO QUE ESTA GREVE ESTÁ A TER NAS ESCOLAS E NOS HOSPITAIS? Está a ter um impacto negativo, porque temos uma paralisação dos serviços nos hospitais e nas escolas. Quem vai arcar com isso é a própria população. Quem governa deve ter espírito de patriotismo, porque o que estamos a reivindicar é para o interesse do país. Imagine exigir do Governo a afectação dos centros hospitalares com máquinas de ecografia. Até isso faz parte do programa da governação do programa eleitoral. E agora? Porque é que não podem colocar isso à disposição da população? É preciso que isso aconteça através da greve? Isso é de lamentar e condenável. QUAIS É QUE VÃO SER AS VOSSAS PRÓXIMAS AÇÕES? Ontem, depois do encontro frustrado, o Governo podia ter-nos dito quando é que nos voltaríamos a encontrar. Mas saímos de lá sem nenhuma data para um novo encontro e isso demonstra a falta de vontade do próprio Governo. Revela que está interessado que a greve continue no sector de educação e de saúde. A GREVE VAI MANTER-SE ATÉ QUANDO? Até amanhã. É uma greve de três dias. SE CONTINUAREM SEM UMA RESPOSTA DO GOVERNO, O QUE É QUE VOCÊS VÃO FAZER? Vamos continuar a reivindicar através da greve, porque é o único meio que a lei nos reserva. Isto porque o outro meio que a lei nos reserva, que é a manifestação e a vigília, foi-nos impedido depois do Ministério do Interior aprovar uma lei inconstitucional, colocando em causa esse direito. ESTÁ A AFIRMAR QUE NÃO PODEM SAIR À RUA PARA SE MANIFESTAR E EXIGIR OS VOSSOS DIREITOS? Não podemos porque há um despacho ilegal, inconstitucional, que foi aprovado pelo ministro do Interior, onde impediu as manifestações e as vigílias. Nesse caso, não podemos manifestar-nos nas ruas. Somos obrigados a recorrer à greve. Se esta greve terminar e não houver nenhuma reacção, vamos projectar uma outra vaga de greve.

7m
Mar 19, 2024
Fim do acordo militar entre o Níger e os EUA é um "duro golpe" contra Washington

Neste sábado, a junta militar no poder no Níger anunciou o fim "imediato" do acordo firmado em 2012 com os Estados Unidos autorizando a presença de militares e civis do departamento de Estado americano no território do Níger. Em declarações transmitidas em directo, Niamey disse que a presença americana no país é e que ela. De acordo com a junta militar, este acordo que considera tinha sido "imposto unilateralmente" por Washington através de. Esta decisão foi anunciada depois de uma delegação americana de alto nível ter-se deslocado ao país e ter tentado durante três dias evocar com Niamey a transição política e a luta contra o terrorismo. Durante estas conversações que a diplomacia americana qualificou de, a junta militar considera por sua vez que a delegação americana tentou e que houve por parte dos representantes de Washington uma. Com cerca de 1.100 militares e uma base em Agadez, no norte do país que lhe permitia vigiar o Sahel, os Estados Unidos tinham uma parceria importante com o Níger. Depois de a França ter sido obrigada a retirar as duas forças do Níger no ano passado, é por conseguinte a vez de os Estados Unidos se afastarem, a sua estratégia de manter o diálogo com Niamey depois do golpe do ano passado não tendo surtido efeito. À semelhança de outros países da região, o Mali e o Burkina Faso, onde os militares tomaram recentemente o poder, o Níger tem vindo a efectuar grandes mudanças estratégicas. Além destes três países terem formado uma coligação para a luta contra o terrorismo, voltaram-se para parcerias com países como a Rússia e em finais de Janeiro anunciaram a sua saída da CEDEAO. Em entrevista concedida à RFI, Calton Cadeado, investigador e professor de relações internacionais na universidade Joaquim Chissano em Maputo, considera que isto representa "um duro golpe geopolítico e geoestratégico" contra os Estados Unidos. RFI: O QUE É QUE REPRESENTA ESTA DECISÃO DA JUNTA MILITAR DO NÍGER? CALTON CADEADO: Neste momento, para os americanos, interessa e muito manter as bases militares que têm no Níger. Estamos a falar de bases militares. Uma delas, a principal, foi construída de raiz, a um custo de mais de 100 milhões de dólares. Então é um custo que você faz para investir e demonstrar que tem um interesse grande na zona. Perder isso de um momento para o outro é um duro golpe. Depois, é um duro golpe porque a retirada ou a suspensão ou eliminação desta cooperação militar entre os Estados Unidos da América e o Níger abre um espaço grande para a reafirmação da presença dos russos nesta zona, que está claro, como bem disseram os líderes golpistas, que eles são livres e soberanos de fazer as parcerias com quem eles quiserem, desde que isso signifique a satisfação dos seus interesses nacionais, o que é justo e sinaliza o lado deles para a Rússia. E uma Rússia que vai ganhando espaço nesta zona, que já se confirmou que não é algo de novidade, porque já está no Mali e no Burkina Faso, numa cooperação avançada nestes dois países. O que traz alguma surpresa e espanto para os americanos é provavelmente a presença ainda não confirmada da cooperação com o Irão. De qualquer das formas, esta suspensão é um duro golpe para os americanos. É um duro golpe geopolítico e geoestratégico, porque estamos a falar de um país como o Níger, que tem recursos naturais de grande valor estratégico, que é o urânio. Mas também estamos a falar da presença das bases militares, que é estratégica para poder fazer a acção de luta contra o terrorismo nesta zona. Entretanto, os americanos podem estar agora livres de explorar outras opções. Outras opções, significaria fazer voltar os americanos para as bases nos Estados Unidos da América ou colocar outras bases no mundo. Ou então relocar os militares ao nível de África, alargando a cooperação com outros países, como por exemplo, Gana ou Senegal. Porque não pensar até na Guiné-Bissau que tanto precisa disso? Ou então investir em convencer os outros Estados africanos, tal como fizeram com o Jibuti, de que a presença das forças americanas tem uma mais-valia. Isto pode ser uma outra opção para não deixar espaço vazio para a presença mais acentuada dos russos e, provavelmente dos iranianos. RFI: A PRESENÇA AMERICANA NO NÍGER, TAL COMO OUTRAS PRESENÇAS OCIDENTAIS, JUSTIFICAVA-SE PELA LUTA CONTRA O TERRORISMO. ATÉ QUE PONTO É QUE, DE FACTO, ESTE OBJECTIVO TERÁ SIDO CONSEGUIDO? HÁ, POR EXEMPLO, O CAMPO DO PRESIDENTE DERRUBADO, MOHAMED BAZOUM, QUE DIZ QUE ESTA PRESENÇA AMERICANA FEZ COM QUE HOUVESSE ALGUNS PROGRESSOS A NÍVEL DESSA LUTA. CONCRETAMENTE, ISTO REPRESENTOU ALGUM AVANÇO? CALTON CADEADO: Vamos estar sempre no meio de uma guerra de narrativas, de uma competição política. Obviamente que o lado do Bazoum, porque quer e precisa do apoio americano, vai sempre justificar a presença dos americanos com resultados, ainda que sejam pequenos, mas que sirvam para justificar a presença e, se calhar, ter um apoio político dos americanos. Mas, por outro lado, os que estão contra o regime de Bazoum vão obviamente dizer que a coisa não funcionou e vão trazer provas quer de um, quer do outro lado. Vai trazer provas. Então fica difícil olhar para isso. Apesar de reconhecer esta guerra de narrativas, sei que há sinais de que os resultados da luta contra o terrorismo na zona do Sahel não foram resultados que permitissem a eliminação de grupos terroristas que estão a operar na zona, o que é o objectivo último e desejável de todos. Algo que nós sabemos que não pode ser alcançado a curto prazo, sobretudo porque nós sabemos que os grupos terroristas têm um tempo de vida útil. Porque eles nascem, crescem, têm um momento de pico, mas também têm um momento de estagnação e provavelmente um período de morte. Isso pode levar uma geração, 25, 30 anos e por aí adiante. Então, não era expectável que os americanos conseguissem, com a cooperação nigeriana, eliminar o grupo terrorista ou os grupos terroristas, porque não é um único grupo terrorista. São grupos terroristas. Então, vamos ficar sempre nesta guerra de narrativas com evidências de recrudescimento de terrorismo, mas também com evidências de que os terroristas, nalgum momento, eles se sentiram pressionados e passaram mais tempo a pensar em fugir da perseguição do que necessariamente a realizar ataques terroristas. A prova disso é que há algum tempo houve claramente ataques, mas com interregnos longos. Não era com muita frequência. Hoje que estamos a falar da saída dos americanos, sabemos que há um recrudescimento de ataques terroristas na zona. Então, é difícil neste momento, tomar partido, não reconhecer a guerra de narrativas.  RFI: E LÁ ESTÁ, ISTO TEM UM CHEIRINHO DE 'GUERRA FRIA' OU ISTO SERÁ DE FACTO UMA VISÃO UM POUCO LIMITADA DAQUILO QUE ESTÁ A ACONTECER NO SAHEL?  CALTON CADEADO: Se for naquele conceito, é difícil dizer que sim. Mas se assumirmos que é uma competição geopolítica e geoestratégica entre as grandes potências, eu diria que é mais fácil aceitar essa abordagem, porque hoje a América, o Ocidente, sabe que existe um antiamericanismo em África. A França sabe que existe um sentimento anti-França em África, sobretudo na zona da África Ocidental. E para substituir estas grandes potências, os países onde se regista esse antiamericanismo estão a olhar para a Rússia como uma alternativa, até porque a Rússia é uma alternativa que oferece algum espaço de manobra para a soberania destes países poder funcionar mais à vontade. Há pouco falávamos da delegação americana que foi para Niamey e uma das coisas que se fala lá é que houve do lado dos americanos, pelo menos de acordo com a narrativa dos golpistas -que eu prefiro chamar eles assim mesmo golpistas- houve sinais de que os americanos insistiram com algumas posições que eram contra a soberania do Estado nigeriano. Se for por aí, eles não têm a mesma pressão na mesma magnitude. Do lado dos russos, que estão neste momento à procura de ganhar os corações e as mentes das lideranças africanas, para isso acontecer, nada melhor do que fazer o contrário do que os ocidentais fazem. RFI: O QUE É QUE ISTO SIGNIFICA RELATIVAMENTE, POR EXEMPLO, AO PROCESSO POLÍTICO DO NÍGER?  CALTON CADEADO: Em termos políticos, significa que a saída da cooperação militar do solo nigeriano pode dar mais espaço de manobra à Junta militar para resistir a qualquer tipo de pressão que venha dos americanos. Porque hoje eles conseguem resistir à pressão dos americanos, mas sabem que estão vulneráveis para qualquer tipo de acção de desestabilização que possa vir dos próprios americanos, porque têm a presença militar lá no território. E estamos a falar de um país chamado Níger, cuja capacidade militar não é das melhores do mundo para enfrentar, ainda que sejam 1000 homens, só 1000 homens americanos. Aí, com a tecnologia e capacidade militar que eles têm, podem fazer todo o tipo de perturbação. Então, para os nigerianos, neste momento, retirar a força militar americana significa libertar-se de uma pressão que está sempre presente e que pode significar a morte do regime.  RFI: E PARA OS ESTADOS UNIDOS, PORTANTO, A SUA PRESENÇA MILITAR NO NÍGER ERA UMA DAS MAIS IMPORTANTES A NÍVEL DO CONTINENTE AFRICANO. OS ESTADOS UNIDOS TÊM TAMBÉM UMA BASE NO DJIBUTI. FALOU DO FACTO DE ISTO REPRESENTAR UM REVÉS PARA OS ESTADOS UNIDOS, TANTO MAIS QUE ESTAMOS EM ANO DE ELEIÇÕES. CALTON CADEADO: Sem dúvida, é um duro golpe para os americanos, porque é uma perda geopolítica e uma perda geoestratégica e o prestígio da América na sua presença de África. Hoje a América tem que encontrar outra solução para garantir que a sua presença militar em África não seja prejudicada. Porque que eu digo isto? É que a América é uma superpotência e 'superpotência' significa ser um país ou um Estado com capacidade de influência global a nível político, militar, económico, tecnológico, à escala global e até cultural, à escala global. Então, se nós temos uma América com bases militares e vários comandos ao nível da Europa, do Oeste, do Sul e por aí adiante, a presença do Comando Militar de África ainda não está consolidada porque o antiamericanismo é forte e presente nesta zona. Então a América terá que conviver com este assunto, com esta luta por ganhar corações e mentes das lideranças africanas para poder manter a sua presença militar, porque 'superpotência' sem capacidade militar presente na escala global não é superpotência. Não é por acaso que dizemos hoje que só existe uma única superpotência, que são os americanos. E eles podem perder esse estatuto de superpotência se não consolidarem a sua presença militar no mundo. A África hoje é um lugar importante. RFI: QUAIS SÃO OS RISCOS PARA O NÍGER? PORQUE O NÍGER, NESTE MOMENTO ESTÁ NUMA TRANSIÇÃO, UMA TRANSIÇÃO EM TERMOS DE POLÍTICA INTERNA E TAMBÉM EM TERMOS DE ESTRATÉGIA E DE PARCERIAS INTERNACIONAIS. CALTON CADEADO: O risco grande de hoje é tirar a América, trazer os russos amanhã e daqui a 10, 20, 30 anos, ter problemas também com os russos, porque os russos não são os meninos de olhos azuis que não têm interesses. Hoje podemos ser amigos amanhã, mas isso pode durar 20, 30, 40, 50 anos, não é? É uma coisa. Enquanto essa parceria durar, tirar os nossos benefícios e garantir os nossos interesses nacionais, para os nigerianos, tudo bem. Mas também quanto tempo vai durar o regime golpista no poder? Nós não sabemos. Por último, estamos a falar que o Níger de hoje não é o mesmo Níger de amanhã, porque há muita população pobre e há muitos problemas domésticos no Níger que carecem de uma solução que obriga a que o Níger faça parceria com outros estados. E a Rússia não será nem de perto a única solução para os seus problemas. RFI: ESTE FIM-DE-SEMANA, A JUNTA MILITAR REITEROU, TAL COMO O TINHA DITO LOGO DEPOIS DO GOLPE, QUE A TRANSIÇÃO IRIA DURAR TRÊS ANOS. JULGA QUE A JUNTA MILITAR VAI RESPEITAR A SUA PROMESSA? CALTON CADEADO: É difícil dizer isso hoje. Se olharmos para o que está a acontecer no Mali, é difícil dizer o que vai acontecer amanhã. Se olharmos para o que está acontecendo no Burkina Faso, também. Este trio Burkina Faso, Níger, Mali, parece que eles estão a ter vitórias políticas e estratégicas que lhes dão um pouco mais de força e de conforto para poder navegar a seu bel-prazer neste processo de transição. Por exemplo, na semana passada, o Níger conseguiu uma vitória que não foi muito falada, que foi a suspensão das sanções que a Nigéria tinha imposto e estamos a caminho da suspensão das sanções da CEDEAO. Então a CEDEAO hoje precisa tanto do Níger, mas o Níger também precisa da CEDEAO. Se se consolidarem estas vitórias políticas curtas, pequenas, isto vai dar mais força a estes regimes golpistas e se calhar até inspirar outros regimes golpistas para poderem navegar à vontade. Eu digo isto porque, para além desta vitória de suspensão, os nigerianos, mesmo com os problemas domésticos que têm agora, mandaram um sinal ao mundo que todos não estavam à espera, que é a renegociação da exploração dos recursos naturais. Nunca o Níger ganhou dinheiro para a exploração do urânio como está a ganhar na actualidade. Isto pode também ajudar o Níger a sobreviver, a criar uma certa postura de arrogância e evitar cumprir todos aqueles prazos ou compromissos assumidos em termos de transição política.

14m
Mar 18, 2024
"Bicho na mesa", uma exposição para celebrar Fernando Varanda

A exposição "Bicho na mesa", na Galeria Monumental, em Lisboa, fala da influência de África sobre o arquitecto urbanista Fernando Varanda, que nasceu em Luanda e teve vivências em diferentes países do continente africano. Uma exposição que, para as organizadoras e produtoras Paula Varanda e Ana Gonçalves, "é muito mais acerca de afectos, e de histórias de vida, do que propriamente acerca de pintura ou de desenho." "" é a exposição que reúne pinturas, objectos e desenhos feitos pelo arquitecto urbanista e professor Fernando Varanda (1941-2023) ao longo da vida. A mostra, patente na GALERIA MONUMENTAL https://www.facebook.com/monumentalgaleria, em Lisboa, até 23 de Março, reúne uma parte do seu legado artístico criado em grande privacidade. Uma exposição que, para as organizadoras e produtoras Paula Varanda e Ana Gonçalves, "" Para o homem que nasceu em Luanda, o que viveu em diferentes países de África marcou-o "" e tanto a pintura como a arquitectura de Fernando Varanda não podiam ficar imunes a isso. "" é uma oportunidade ímpar para nos podermos deslumbrar com a qualidade de quem nos dá a ver, daquele que nos dá a fruir o indizível.  

11m
Mar 16, 2024
Alves da Rocha: "Está-se a assistir a uma 'desocidentalização' do desenvolvimento económico mundial"

O Presidente angolano iniciou nesta sexta-feira 3 dias de visita oficial à China, com na sua agenda uma renegociação da dívida de Luanda para com Pequim. De acordo com João Lourenço, essa dívida que ascende actualmente a cerca de 17 mil milhões de dólares, viu desde já alguns dos seus termos serem revistos no âmbito desta deslocação. Contraída depois do fim da guerra civil para financiar o vasto esforço de reconstrução de Angola, a dívida junto a China chegou a ser garantida com a produção de petróleo. Contudo, no ano passado, o executivo de João Lourenço que há muito preconizava novos termos para esta dívida, indicou que ela tinha deixado de ser condicionada pela produção de petróleo. Com a crise gerada pelo covid, Angola beneficiou também de uma moratória de dois anos no pagamento da sua dívida com a China, esta moratória tendo entretanto chegado ao fim. A deslocação oficial de João Lourenço decorre igualmente poucos meses depois de Angola assinar no final do ano passado uma série de acordos económicos com os Estados Unidos, nomeadamente no que tange ao corredor do Lobito sobre o qual Pequim se tinha posicionado. Isto não deixa de constituir um "irritante", sublinha o economista Alves da Rocha, director do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola. RFI: EM QUE FASE ESTÃO AS RELAÇÕES ENTRE ANGOLA E A CHINA? ALVES DA ROCHA: Vão permanecer alguns "irritantes" entre Angola e a China, que toda a gente sabe quais foram. Houve projectos que a China tinha já em conta a execução ser sua. O que não aconteceu. Os Estados Unidos agora entraram em força e muita gente julga que esta entrada dos Estados Unidos tem a ver com investimento americano em Angola, nomeadamente na questão das novas energias e no solar. Mas não é bem assim. O que os Estados Unidos estão a fazer são empréstimos a Angola, não são investimentos directos. O grosso tem a ver com linhas de crédito e com empréstimos que Angola vai ter que pagar, contando para isso que de facto estes projectos possam ser rentáveis e gerar algum valor agregado. Eu acho que de facto, a aposta de Angola em termos de cooperação internacional, até atendendo a que a actual Rosa-dos-ventos da geopolítica mundial não aponta para os Estados Unidos. Continuam a ser, evidentemente, da maior potência económica do mundo. A China, dentro de algum tempo, tirará esse lugar aos Estados Unidos, eu estou convencido, ainda que a dinâmica de crescimento da economia chinesa seja hoje menor do que foi no passado, o que é absolutamente natural. As economias não podem crescer durante 100 anos ou durante 50 anos a taxas de 10% ou 15%, ou 20%. Eu acho que, do ponto de vista político e do relacionamento internacional, aquilo que se está a passar no mundo e que muitos analistas políticos e cientistas políticos começam a recear uma guerra mundial, é que temos, de um lado potências nucleares -estou a falar da China e estou a falar da Rússia- e Angola foi se colocar ao lado dos Estados Unidos. Eu creio que foi uma má aposta, do meu ponto de vista. Eu não tenho todos os dados para fazer afirmações peremptórias, mas eu creio que o futuro económico do mundo não está nos Estados Unidos nem na Europa. O futuro económico do mundo está nos BRICS e os BRICS estão a arrastar algumas economias africanas a economias importantes. E, portanto, eu já tenho assinalado que, de há uns dez anos, 15 anos a esta parte, está-se a assistir a uma "desocidentalização" do desenvolvimento económico mundial. E esta ocidentalização vai crescer no futuro. A China tem, de facto, um modelo de desenvolvimento que tem permitido retirar da pobreza dezenas e dezenas de milhões de cidadãos chineses, criar uma classe média rica importante e disputar franjas do mercado internacional. Portanto, eu creio que este assunto também, julgo eu, deve fazer parte destas discussões entre João Lourenço e Xi Jinping. Mas confesso-lhe que, nas actuais condições de existirem alguns "irritantes" entre a China e Angola, não vai haver grandes hipóteses de aumentar o investimento directo chinês em Angola. RFI: VOLTANDO UM POUCO ATRÁS RELATIVAMENTE ÀQUILO QUE MENCIONOU, A RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA DE ANGOLA PARA COM A CHINA, ATÉ QUE PONTO É QUE ELA DE FACTO PESA SOBRE A ECONOMIA ANGOLANA?  ALVES DA ROCHA: O impacto da dívida pública à China é o mesmo que o impacto da dívida pública de Angola ao FMI, da dívida pública de Angola à França, da dívida pública de Angola a Portugal. Portanto, eu acho que vocês aí no Ocidente têm um "parti pris" qualquer contra a China, a dívida pública externa de Angola face à China. Eu creio que estará no momento em 18, 19 mil milhões de dólares e já esteve nos 30 ou nos 40 mil milhões de dólares. Angola tem vindo a amortizar a sua dívida pública externa face à China. Portanto, não vale a pena estar a pisar demasiado nos efeitos que a dívida pública externa de Angola à China pode ter. Os efeitos são idênticos aos efeitos que Angola tem e está a sofrer de ter dívidas públicas, sobretudo públicas, perante a União Europeia, perante Portugal, perante a França, perante o Reino Unido, perante os Estados Unidos. é exactamente a mesma coisa. É um peso sobre o orçamento, como são as outras dívidas públicas. Como deve saber, a China, devido justamente aos problemas que surgiram com o covid, deu uma moratória de dois anos a Angola, no sentido de aliviar o peso do serviço da dívida pública à China sobre o Orçamento Geral do Estado. Porque se é uma dívida pública, é o orçamento que tem que a pagar. Deu essa moratória. A moratória acabou, como acabou relativamente ao FMI, relativamente ao Banco Mundial. Estas moratórias acabaram e, agora, Angola tem que por si só arranjar forma de pagar as dívidas, limpar todos esses aspectos que influenciam negativamente o crescimento económico, reorganizar as componentes que fazem parte do clima de negócios e a atracção do investimento privado estrangeiro. E é por aí onde a gente tem que ir. Temos planos de desenvolvimento económico, onde realmente o peso da dívida está perfeitamente contemplado e perfeitamente calculado. Mas devo dizer que já no Orçamento Geral do Estado deste ano, estas matérias foram objecto de reconfiguração. E devo dizer que aquilo que mais nos aflige não é a dívida pública externa perante a China, porque nós temos capacidade de a pagar. O que mais nos aflige neste momento é a falta de competitividade da economia angolana e a questão da diversificação da nossa economia e é o facto de dependermos ainda muito do que acontece no mercado internacional de petróleo. Continuamos a ter uma dependência doentia do comportamento do mercado petrolífero internacional. Claro que era melhor não ter dívida. Claro que há problemas relacionados com a forma como Angola aplicou os empréstimos da China. Recorrentemente vem à baila 'a qualidade das obras públicas', que 'no fundo, foram executadas por empresas chinesas'. Há obras públicas executadas pelos chineses, que são excelentes. Há obras públicas que são más. Mas isso também se passa com os brasileiros e também se passa com os portugueses. Portanto, neste momento e dado até o passado de relações políticas entre Angola e a China, eu creio que hão de se encontrar formas, se for esse o caso e seguramente é, porque a dívida pública externa à China é aquela que tem maior peso no cômputo global da dívida pública externa de Angola. E todo o alívio que for por aí conseguido naturalmente que é bem-vindo.  RFI: NAS CIRCUNSTÂNCIAS QUE MENCIONOU COM O "IRRITANTE" QUE ACONTECEU RECENTEMENTE ENTRE ANGOLA E A CHINA DEVIDO AOS ACORDOS CONCLUÍDOS COM OS ESTADOS UNIDOS, JULGA QUE A CHINA ESTARÁ COM DISPOSIÇÃO PARA FACILITAR PRECISAMENTE UMA NEGOCIAÇÃO RELATIVAMENTE À DÍVIDA?  ALVES DA ROCHA: Naturalmente que não somos só nós, pessoas, os humanos, que nos irritamos com determinados acontecimentos. Ao nível da política também há "irritantes". E quem inventou este termo até foi, penso que ainda o actual presidente da Assembleia Nacional Portuguesa. Estas coisas acontecem. E repare que a China já mostrou que está de facto irritada com estes "irritantes". E uma forma de o manifestar foi o atraso da nomeação do embaixador da China em Angola que a China esteve, creio, que dois meses sem um representante diplomático em Angola. E trata-se, tanto quanto julgo saber, de projectos que envolviam empresas chinesas e que envolviam financiamentos chineses que já tinham sido acordados e a China foi pontapeada para fora. Ora, em política também há "irritantes". Agora, o que é que se pode passar com estes "irritantes" ? Não sei. Isso depende da habilidade diplomática de Angola, se é que essa é uma das suas pretensões. Ver de que maneira que o peso excessivo da dívida e do serviço da dívida pública externa chinesa tem na nossa manobra económica e na nossa manobra financeira. De que maneira é que a diplomacia angolana pode efectivamente ultrapassar estes "irritantes"? Não sei. Isso já são os diplomatas. Eu não sou diplomata. O que lhe posso dizer em definitivo e para finalização de conversa, é que estudos que nós temos vindo a fazer no meu Centro de Estudos sobre a presença chinesa em África, não apenas em Angola, e apesar dos vários defeitos e das várias críticas que são feitas aos empreendimentos que a China tem em Angola, eu devo dizer que muitos angolanos, empresários e investigadores, passaram a preferir a cooperação económica com a China, em vez da cooperação económica, por exemplo, com a União Europeia que, ela, já existe há muitos anos e que nunca deu nada. Portanto, é altura de África e os países africanos repensarem a geografia da cooperação económica internacional. 

11m
Mar 15, 2024
"O envelhecimento tem de ser um desafio tratado globalmente"

A expectativa de vida global situa-se hoje nos 68 anos, com uma tendência para o envelhecimento a generalizar-se em todas o Mundo. No entanto, pouco se fala sobre a qualidade de vida dos mais velhos e como viver melhor até mais tarde. A RFI falou com dois demógrafos portugueses sobre esta problemáticas. O actual tendência demográfica no Mundo aponta para um envelhecimento global da população. Portugal é um dos países que envelhece a um ritmo mais acelerado, mas nem por isso há mais soluções para uma maior qualidade de vida na velhice, ao mesmo tempo que aos jovens são oferecidos empregos com baixos salários e poucas perspectivas de evolução. Em entrevista à RFI, a economista Lara Patrício Tavares e o geógrafo Jorge Malheiros, ambos docentes universitários e demógrafos, falam do envelhecimento global, da importância da melhoria das condições de vida para os mais velhos e num Mundo onde, graças às novas tecnologias, se poderá vir a trabalhar menos. "", indicou Jorge Malheiros. Sendo um tendência global, o envelhecimento devia ser tratado através das melhores práticas em todo o Mundo. "", declarou Jorge Malheiros. No entanto, em Portugal, há um atraso no investimento no envelhecimento activo e nas medidas que podem ajudar a terceira idade a ter uma boa qualidade de vida. "", concluiu Lara Tavares.

10m
Mar 14, 2024
Haiti mergulhado no caos perde o seu primeiro-ministro

O Haiti está mergulhado no caos. A Comunidade Regional das Caraíbas aposta numa transição após a confirmação de demissão do primeiro ministro Ariel Henry. Numa altura em que bandos armados semeiam o terror em largos sectores da capital para o romance, Rafael Lucas, professor catedrático haitiano radicado em França, começa por afirmar que este virar de página permite abrir novas perspectivas para esta antiga colónia francesa. RAFAEL LUCAS: Vai abrir novas perspectivas. Porque até ao dia da sua demissão a situação estava bloqueada e piorando. RFI: POR ORA, PENSA-SE QUE SEJA PREVISÍVEL QUE ARIEL HENRY SE MANTENHA NOS ESTADOS UNIDOS [PORTO RICO]. PORTANTO, ESTE NEUROCIRURGIÃO MUITO PROVAVELMENTE VAI DEIXAR A POLÍTICA ACTIVA HAITIANA. Acho que ele não terá hipótese de voltar para o Haiti porque é um dos presidentes mais impopulares que houve na história do Haiti. É até meio estranho que não tenha sido assassinado, como aconteceu com o presidente Jovenel [Moïse] em 2021. JOVENEL MOÏSE TINHA SIDO ASSASSINADO. DESDE ENTÃO, NÃO FOI POSSÍVEL HAVER ELEIÇÕES. E DE REPENTE, AGORA A COMUNIDADE DAS CARAÍBAS QUER COMEÇAR A PREPARAR ELEIÇÕES. E FALA NOMEADAMENTE NUM CONSELHO DE TRANSIÇÃO. QUE GARANTIAS HÁ QUE ESTE CONSELHO DE TRANSIÇÃO PODE DAR E COMO É QUE É POSSÍVEL, DE FACTO, EQUACIONAR ELEIÇÕES NUM PAÍS QUE ESTÁ A MANDO DOS BANDOS ARMADOS? É isso porque para mim é impossível ! Porque organizar eleições num país em que os bandidos já ocuparam o Palácio de Justiça durante três meses e em que também eles estão a ocupar quase 50% da capital. E eles são muito bem armados, têm até carros blindados. Vai ser difícil. É uma nova Somália. Vai ser difícil restabelecer uma ordem institucional num caso desses ! PORQUE ATÉ O AEROPORTO DA CAPITAL É UM ALVO DESTES BANDOS ARMADOS E MUITAS EMPRESAS E COMPANHIAS AÉREAS JÁ NÃO SE ATREVEM A VOAR PARA PORT AU PRINCE, PARA O AEROPORTO TOUSSAINT LOUVERTURE... É isso e digamos que a solução, a resposta que as empresas encontraram e os turistas também é desembarcar em cidades provincianas. Além disso, os bandidos tentavam impedir que as mercadorias com destino à província impediram que chegassem. E isso sufocava aos poucos os empresários provincianos. Quer dizer, era uma espécie de cancro, esses bandidos. E UM DELES É O CHAMADO "BARBECUE", UM ANTIGO POLÍCIA QUE SE PODERIA TRADUZIR POR "CHURRASCO". COMO É QUE ESTE ANTIGO POLÍCIA ATERRORIZA O PAÍS? IMPÕE A DEMISSÃO DO PRIMEIRO MINISTRO ! E FALAVA MESMO NUM RISCO DE GENOCÍDIO ! Ele é um antigo polícia de família paupérrima. Ele diz que a sua mãe morreu na miséria e que é por isso, para vingar a mãe, que ele tornou-se um terrorista para castigar os burgueses. Mas na realidade, muitas pessoas que ele queimou, infelizmente, é o termo eram pessoas ou da pequena burguesia, ou até mesmo do povo. Era uma espécie de inquisidor, mas sem a dimensão religiosa da Inquisição. E depois ele organizou os bandos numa confederação que se chama G9, imitando as instituições internacionais. Como a oposição quase não existe, ou está no exterior do país...quer dizer, há poucas pessoas da oposição que tenham direito à palavra, ou que têm também certa presença na capital. Então ele, perante esse vazio, ele acaba por emergir. ESTE CONSELHO PRESIDENCIAL QUE A COMUNIDADE DAS CARAÍBAS QUER IMPLEMENTAR, IMPÕEM CONDIÇÕES ÀS PESSOAS QUE VÃO INTEGRAR ESTE CONSELHO PRESIDENCIAL. DEPOIS NÃO SE PODEM APRESENTAR ÀS ELEIÇÕES. ELEIÇÕES... NINGUÉM SABE, NESTA FASE, COMO É QUE SERIAM EXEQUÍVEIS. A COMUNIDADE CARIBENHA TEM AQUI UM PLANO SÓLIDO ? ELA TAMBÉM VAI JOGAR, EM GRANDE MEDIDA, A SUA CREDIBILIDADE EM RELAÇÃO AO ACOMPANHAMENTO QUE DER A HAITI, NÃO É? Vai ser difícil porque com uma capital ocupada, quer dizer 50% da capital sob o domínio dos bandidos. E dos bandidos, que não são simples bandidos. São sequestradores, torturadores, torcionários e têm uma crueldade horripilante. Não vai ser fácil. Além disso, eles acostumaram-se à impunidade. Os poucos que tinham sido presos quando, nos últimos momentos de desordem, os bandidos assaltaram as prisões e libertaram os bandidos presos. Então, é o que vai multiplicar os factores de desordem ! Vai ser difícil, neste contexto, organizar eleições, encontrar pessoas que quiserem apresentar-se sabendo que vão trabalhar para os futuros responsáveis do país. ENQUANTO ISSO, VEMOS QUE HÁ DE NOVO DIPLOMATAS INTERNACIONAIS A DEIXAR PORT AU PRINCE POR QUESTÕES DE SEGURANÇA E QUE AINDA NÃO HÁ UMA FORÇA MULTINACIONAL. EMBORA OS ESTADOS UNIDOS TENHAM ANUNCIADO UMA AJUDA PARA QUE ELA POSSA VIR A SER MOBILIZADA. TODOS NÓS SABEMOS QUE A FORÇA POLICIAL QUENIANA AINDA NÃO CHEGOU. PORTANTO, POR ENQUANTO, O HAITI ESTÁ SOZINHO ?! Eu acho que a ideia da força multinacional é uma boa ideia neste contexto, é a ideia mais pertinente. FALOU DA SOMÁLIA E DOS RECEIOS DE QUE O HAITI VENHA A SER UMA NOVA SOMÁLIA. ORA, A SOMÁLIA FOI UM PESADELO PARA MUITOS ACTORES INTERNACIONAIS DE RELEVO, CASO DOS ESTADOS UNIDOS. O PROBLEMA VAI SER QUEM MOBILIZAR, IMAGINO ? PARA CONSEGUIR DAR HOMENS, DAR CONTINGENTES, DAR EFECTIVOS PARA UMA FORÇA MULTINACIONAL DESTE GÉNERO ! O importante seria o número de actores de soldados que poderão pôr em acção. Porque se for uma força reduzida não vai ser possível. Tem que ser uma força que seja em termos de números, bastante impressionante, bastante numerosa, para que possa, digamos, sufocar os bandidos pelo número. OU SEJA, SÃO PRATICAMENTE 40 ANOS DE INSTABILIDADE POLÍTICA CRÓNICA NO HAITI, NÃO É? DESDE A QUEDA DE JEAN-CLAUDE DUVALIER, EM 1986 ! Exacto. É que depois da queda do Jean-Claude Duvalier. O presidente seguinte foi o Jean-Bertrand Aristide, um padre. Ele teve a desastrosa ideia de suprimir o exército. O resultado é que multiplica de maneira exponencial a delinquência ! E ele tinha substituído o Exército por uma polícia de 5 000 homens para uma população de 10 milhões de habitantes e uma população miserável, com imensas desigualdades sociais !  Aquele desequilíbrio numérico entre uma delinquência muito difundida e uma polícia muito reduzida continuou naturalmente. E já no tempo de Duvalier havia uma milícia civil de 300.000 homens contra um exército de 20 000 homens, então 300 000 bandidos e 20 000 soldados ! É esse desequilíbrio, o factor de aumento da delinquência, continuou até hoje. E NESTE MOMENTO, O PAÍS ESTÁ À PROCURA DE UMA MULHER OU DE UM HOMEM PROVIDENCIAL ! Há um exemplo não muito longe do Haiti, o presidente do Salvador [Nayib] Bukele. ELE ESTÁ DISPOSTO EM TENTAR AJUDAR O HAITI, NÃO É? FOI ISSO QUE ELE DISSE ! Que tem uns métodos dissuasivos ! EFICAZES. Eficazes ! EM RELAÇÃO AOS TRAFICANTES DE DROGA NO SEU PAÍS NATAL. Sim, sim.

8m
Mar 13, 2024
CEEAC: Gilberto da Piedade Veríssimo deve equacionar "a demissão"

Reunidos este fim-de-semana em Malabo, os líderes da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) procederam ao levantamento das sanções contra o Gabão e discutiram a presidência da comissão da CEEAC a cargo do angolano Gilberto da Piedade Veríssimo, fortemente contestado. Para o analista político angolano Osvaldo Mboco, este clima de desconfiança e crispação devem levar Gilberto da Piedade Veríssimo a equacionar a possibilidade de demissão. Reunidos este fim-de-semana em Malabo, os líderes da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) procederam ao levantamento das sanções contra o Gabão e discutiram a presidência da comissão da CEEAC a cargo do angolano Gilberto da Piedade Veríssimo, fortemente contestado. Gilberto da Piedade Veríssimo estava sujeito a uma moção de censura, mas acabou por conseguir guardar o posto em troca do levantamento das sanções contra o Gabão”, avançou uma fonte da organização à redacção em francês da RFI. Além disso, Gilberto da Piedade Veríssimo recebeu uma lista de tarefas sobre problemas pendentes desde a sua chegada ao posto em 2020: financiamento, reforma das instituições e adopção de textos. O angolano tem agora alguns meses para cumprir o plano de acção e mostrar que a mensagem dos chefes de Estado foi ouvida. PARA O ANALISTA POLÍTICO ANGOLANO OSVALDO MBOCO, ESTE CLIMA DE DESCONFIANÇA E CRISPAÇÃO DEVEM LEVAR GILBERTO DA PIEDADE VERÍSSIMO A EQUACIONAR A POSSIBILIDADE DE DEMISSÃO. Sobre a situação económica e geopolítica da região, a CEEAC procedeu ao levantamento das sanções contra o Gabão. Seis meses depois da aplicação destas medidas punitivas na sequência do golpe de Estado de 30 de Agosto, a organização regional assinalou “ pelo facto de o Gabão ter estabelecido um calendário de transição de 24 meses. O ANALISTA ANGOLANO OSVALDO MBOCO SUBLINHA QUE O LEVANTAMENTO DAS SANÇÕES CONTRA O GABÃO ABRE UM PRECEDENTE DIFÍCIL DE GERIR NO SEIO DA CEEAC E, DE ALGUMA FORMA, ACABA POR NORMALIZAR O GOLPE DE ESTADO DE 30 DE AGOSTO.  RFI: QUE ANÁLISE FAZ DO LEVANTAMENTO DAS SANÇÕES AO GABÃO? OSVALDO MBOCO:  MAS ESTE LEVANTAMENTO DE SANÇÕES A UM PAÍS SANCIONADO DEPOIS DE UM GOLPE DE ESTADO, NÃO ESTÁ A CARIMBAR O GOLPE DE ESTADO E, PRECISAMENTE, A PÔR EM CAUSA TAMBÉM A PRÓPRIA CREDIBILIDADE DA ORGANIZAÇÃO? MAIS UMA VEZ, CARIMBA PRECISAMENTE A QUESTÃO DO GOLPE DE ESTADO, PORQUE EFECTIVAMENTE É UMA FORMA DE CONTORNAR A CHEGADA DEMOCRÁTICA AO PODER? APESAR DE MENOS DIVULGADA, UMA OUTRA QUESTÃO QUE ESTEVE EM CIMA DA MESA DESTA REUNIÃO DOS LÍDERES DA COMUNIDADE ECONÓMICA DOS ESTADOS DA ÁFRICA CENTRAL, FOI A GESTÃO DA PRESIDÊNCIA DA COMISSÃO A CARGO DO ANGOLANO GILBERTO DA PIEDADE VERÍSSIMO, QUE TEM ESTADO NO CENTRO DE UMA TORMENTA, FORTEMENTE CONTESTADO INTERNAMENTE. TODAVIA, CONSEGUIU SALVAR O POSTO AO ASSUMIR PRECISAMENTE UM NOVO CALENDÁRIO DE TRABALHO. 

9m
Mar 12, 2024
Francisco Fanhais e os tempos da gravação de “Grândola Vila Morena”

Francisco Fanhais assumiu a música como uma forma de resistência à ditadura portuguesa e diz que “”. Em 1971, esteve com José Afonso, José Mário Branco e Carlos Correia no Château d’Hérouville a gravar a música que ainda hoje é o emblema da "Revolução dos Cravos": “Grândola Vila Morena”. Francisco Fanhais recorda-nos esse tempo. Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI publica entrevistas a vários resistentes ao Estado Novo. https://www.rfi.fr/pt/programas/revolução-dos-cravos/Neste programa, ouvimos FRANCISCO FANHAIS, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO JOSÉ AFONSO, UMA DAS VOZES DA MÚSICA DE INTERVENÇÃO PORTUGUESA E QUE TAMBÉM FOI ADERENTE DA LUAR, A LIGA DE UNIÃO E DE ACÇÃO REVOLUCIONÁRIA.   Francisco Fanhais foi um padre incómodo, assumidamente contra a guerra colonial, que não se calava. Nem na missa, nem nas aulas de religião e moral e muito menos nos discos que fez em Portugal: “”, em 1969, e “”, em 1970. Foi impedido de dar aulas, suspenso das funções de padre e, muitas vezes, impedido de cantar. Por isso, exilou-se em Paris entre 1971 e 1974. Foi para França à boleia com Zeca Afonso em Abril de 1971, participou em concertos para despertar consciências, esteve na LUAR, uma das organizações de luta armada contra a ditadura portuguesa, e só pôde voltar para Portugal depois da "Revolução dos Cravos". Algures entre Outubro e Novembro de 1971, às três da manhã, no Château d’Hérouville, acompanhou José Afonso, José Mário Branco e Carlos Correia na gravação dos passos que marcam o ritmo da música “Grândola Vila Morena”. Os quatro davam os famosos passos em cima de gravilha e tiveram de o fazer de madrugada para evitar o barulho dos carros ou outros ruídos que surgissem durante o dia. Horas mais tarde, gravavam a música que ficaria para a história e que foi a senha definitiva para o golpe militar que derrubou a ditadura portuguesa a 25 de Abril de 1974. RFI: RECORDE-NOS COMO DECORREU A GRAVAÇÃO DE “GRÂNDOLA VILA MORENA”, EM 1971, EM FRANÇA. FRANCISCO FANHAIS, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO JOSÉ AFONSO: TAMBÉM SÃO OS SEUS PASSOS QUE OUVIMOS NO INÍCIO DA MÚSICA, PORTANTO, OS SEUS PASSOS SÃO TAMBÉM, ENTRE ASPAS, OS PRIMEIROS PASSOS DA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS? MAS TAMBÉM QUEM TINHA OUTRO TIPO DE ARMAS ERAM OS QUE ESTAVAM FORA A LUTAR CONTRA ESSA GUERRA… O QUE É QUE O FRANCISCO FANHAIS, ENQUANTO PARTICIPANTE NA SENTIU QUANDO FOI A MÚSICA QUE, ENTRE ASPAS, DERRUBOU O REGIME? COMO É QUE SE TORNOU CANTOR DE MÚSICA DE INTERVENÇÃO E UM PADRE RESISTENTE AO FASCISMO? E DESCOBRIU A MÚSICA DE INTERVENÇÃO DE ZECA AFONSO… COMEÇOU A CANTAR E AS SUAS MÚSICAS COMEÇAM A SER OUVIDAS COM ALGUMA ATENÇÃO PELA PIDE... POR ESTAR PROIBIDO DE CANTAR, DE SER PADRE, DE DAR AULAS, DECIDIU VIR PARA FRANÇA? QUANDO CHEGOU A PARIS, ALÉM DA ACTIVIDADE NA LUAR, PÔDE, FINALMENTE, CANTAR LIVREMENTE? COMO ERA A REACÇÃO DAS PESSOAS AOS CONCERTOS? E CONSEGUIA QUE A CANTIGA FOSSE UMA ARMA, COMO DIRIA O JOSÉ MÁRIO BRANCO? E A MENSAGEM. A “” É UMA DAS MÚSICAS QUE MARCOU UMA GERAÇÃO. QUAIS FORAM, PARA SI, AS SUAS MÚSICAS MAIS MARCANTES? FALOU DA SOPHIA DE MELLO BREYNER. HÁ UMA CANÇÃO SUA QUE TAMBÉM É INCONTORNÁVEL: “PORQUE”. ERAM MENSAGENS MUITO CLARAS CONTRA O FASCISMO E CONTRA A GUERRA COLONIAL…

26m
Mar 12, 2024
Legislativas em Portugal: "Agora é tempo de Montenegro e de Pedro Nuno Santos"

Portugal foi ontem a votos no âmbito das legislativas antecipadas convocadas pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, na sequência da demissão do socialista António Costa do cargo de Primeiro-ministro em Novembro, após terem sido levantadas contra ele suspeitas de corrupção que ainda estão a ser indagadas. As eleições deste domingo foram marcadas pela derrota do PS que passou de uma maioria absoluta para um pouco mais de 28% dos votos, praticamente lado a lado com a coligação Aliança Democrática do PSD e do CDS-PP que, segundo os resultados já apurados, venceu as eleições com um pouco mais de 29% dos escrutínios, o que lhe dá apenas uma maioria relativa. Em terceiro lugar ficou o partido de extrema-direita Chega que conquistou um pouco mais de 18% dos votos e que se apresenta doravante como um potencial fiel da balança na vida política portuguesa. Em entrevista à RFI, Adelino Maltez, professor catedrático de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa analisou os resultados destas eleições. RFI: O VOTO NO CHEGA É UM VOTO DE PROTESTO OU É UM VOTO DE CONVICÇÃO? ADELINO MALTEZ: É um voto. E não arranja modelos, porque se eu comparar o Chega com o irmão dele francês, União Nacional, neste momento em França, este grupo de extrema-direita existe com uma tradição de 100 anos. O Chega é uma novidade. Uma coisa com cinco anos não vem de nenhuma tradição organizativa da direita radical ou da extrema-direita que existisse antes do 25 de Abril ou na primeira fase do Abrilismo. Isto é uma novidade. Tem uma liderança, até pela idade correspondente a essa qualidade. É dissidente do PSD e, portanto, conquistou o seu espaço na política portuguesa. E agora, vamos ver como é que correm as coisas. Ele aspira a ser uma terceira força que acabe com o bipartidarismo dominante em Portugal. É uma boa intenção, mas ainda está longe disso, porque os grandes partidos portugueses mostraram que eram muito resilientes e que tinham penetração em todo o território nacional. O PSD e o PS, não lhes aconteceu o que aconteceu a partidos deste género noutros países da Europa Ocidental. O Chega mostrou pela primeira vez isso. Só não elegeu deputados em Bragança. De resto, Açores, Madeira, Faro, Alentejo. Norte, Sul, está a caminhar para poder levar o sistema político português a ter um novo pólo. Potencialmente, que é o que já chega. Não parece ser um vento que passa. Vai persistir. RFI: O CHEGA ELEGEU BASTANTES DEPUTADOS, NOMEADAMENTE NO SUL DE PORTUGAL E TAMBÉM NO ALENTEJO, QUE TRADICIONALMENTE ERA MAIS ESQUERDISTA. COMO É QUE SE PODE ANALISAR ESTES RESULTADOS?  ADELINO MALTEZ: Isso são filmes a pôr o Alentejo a rimar com reforma agrária, quando os grandes partidos que conquistaram eleições, quer o PS quer até ao PSD, já tinham essa posição há muitos e muitos anos. O PCP não era a força dominante no Alentejo. Portanto, o Chega demonstrou que consegue ser um partido urbano, consegue ser um partido rural, consegue ser um partido do Sul, do centro e das ilhas. Consegue ter uma dimensão nacional. É a primeira vez que o conquistou. Nada é definitivo, mas tem aqui um programa para se consolidar. E o Chega é muito frágil, precisa de ter opinadores, precisa de ter pensamento próprio, precisa de dizer que é um bocadinho mais do que o André Ventura. Portanto, o Chega tem muito trabalho a fazer para poder atingir a dimensão de permanência do PSD e do Partido Socialista. Pronto, temos tudo. Temos o Rui Tavares (do Livre), que também fez um trabalho excelente de multiplicação do seu projecto. Mantemos o PAN, o PCP ainda tem bandeira, o Bloco de Esquerda, a mesma coisa. Portanto é um espaço bastante pluralista, competitivo. E essa coisa da governabilidade, a maior parte das democracias da Europa são democracias "consociativas". Os eleitorados fragmentados não são símbolo da falta de qualidade da democracia, antes pelo contrário. E as maiorias relativas são o normal numa democracia ocidental. Portanto, cada um tem que mostrar o que vale permanentemente. Nesse sentido, o acto eleitoral correu muito bem, menos na questão dos emigrantes. Devemos ter mais cuidado nisso, porque senão sentem-se marginalizados.  RFI: RELATIVAMENTE AO DESEMPENHO DO PARTIDO SOCIALISTA, HÁ QUEM APONTE O DEDO A ANTÓNIO COSTA RELATIVAMENTE A ESTA DERROTA. ISTO PRENDE-SE COM A ACTUAÇÃO DE COSTA OU COM O DESEMPENHO DE PEDRO NUNO SANTOS? ADELINO MALTEZ: Os números passaram de 40 e tal para quase 30. Foi perder, não é? Quer dizer, António Costa desleixou-se de escolher os melhores para serem ministros e números dois. Desleixou-se porque pensou que ainda estava na primeira fase do Governo e que bastava uma entrevista dele, um discurso, para recuperar erros de governo e falta de política pública quanto ao fenómeno da corrupção, quanto à degradação da saúde, da educação, etc. Portanto, um homem só não consegue vencer estes desafios. Foi o que se verificou. Agora, isso não significa que houvesse um ódio, uma onda social, contra o António Costa, antes pelo contrário.  Desempenhou e ainda vai continuar a desempenhar uma função que é reconhecida pelos portugueses. E os resultados não foram uma derrota esmagadora. Foi ela por ela. RFI: HÁ QUEM TAMBÉM APONTE O DEDO A MARCELO REBELO DE SOUSA, QUE TEM SIDO APONTADO COMO QUEM ANDOU A TENTAR FAZER COM QUE O SEU PARTIDO VOLTASSE AO PODER E, NO FUNDO, GANHOU A APOSTA, MAS POR UMA UNHA NEGRA. ADELINO MALTEZ: Não. Os Presidentes portugueses, incluindo Marcelo Rebelo de Sousa, quando vão para Belém, deixam o cartão partidário para trás. É injusto dizermos isso de Marcelo. Como Marcelo é muito interventivo no plano do discurso, até parece que a Constituição lhe dá assim muitos poderes para este efeito. O Presidente da República em Portugal, Marcelo e os antecessores, são notários do regime. O que eles vão é subscrever a escritura que dá um momento de primazia ao Parlamento sobre o presidente. Portanto, nós temos um sistema semipresidencial. Só se houvesse uma crise institucional grave é que o Presidente tinha intervenção, nomeadamente usando aquilo a que chamamos a "bomba atómica" (dissolução do parlamento e convocação de legislativas antecipadas). Agora não é tempo de Marcelo. Agora é tempo de Montenegro e de Pedro Nuno Santos. RFI: MENCIONOU O VOTO EMIGRANTE. AINDA SE ESTÁ À ESPERA DOS RESULTADOS DOS CÍRCULOS ELEITORAIS FORA DE PORTUGAL QUE REPRESENTAM QUATRO DEPUTADOS. DADOS OS RESULTADOS QUE FORAM APURADOS ATÉ AGORA, JULGA QUE PODE HAVER UMA MUDANÇA SIGNIFICATIVA? ADELINO MALTEZ: Julgo que não. Em termos de preferências, julgo que devia haver uma mudança significativa, para pelo menos 40, nunca quatro. Portanto, isto passava para um esforço de mobilização pedagógica e de dizer aos emigrantes que vale a pena votar, porque podem decidir. O que nós estamos a dizer é que com quatro deputados vocês não interessam para nada, é só para fazer uns discursos no 10 de Junho. Portanto, é muito pouco para aquilo que é a realidade da emigração portuguesa. RFI: ENTRETANTO, ESTAMOS NUM CENÁRIO EM QUE A AD TEM NESTE MOMENTO UMA POSIÇÃO MAIORITÁRIA, MAS NÃO TEM MAIORIA ABSOLUTA. LUÍS MONTENEGRO (CABEÇA DE LISTA DA AD) DISSE QUE "NÃO E NÃO" AO CHEGA. MAS JULGA QUE ESTA POSSIBILIDADE DE HAVER UM ACORDO COM O CHEGA ESTÁ DE FORA?  ADELINO MALTEZ: Não. Eu julgo que os políticos têm palavra. Muita gente duvidou do que Montenegro dizia sobre o assunto e ele reafirmou-o ainda ontem. Vamos ter um governo de maioria relativa, até simbolicamente, entrando no número de deputados do PSD, considerando que pelo menos 2 são do CDS. O PSD e o PS vão ter o mesmo número de deputados. Portanto, acho que está tudo dito. Têm que mostrar o que valem a partir do governo. Portanto, significa que o PS não foi esmagado, não houve nenhuma goleada. Até há formalmente um empate entre o PS e o PSD. RFI: QUAL É A MARGEM DE MANOBRA DE UM GOVERNO DE MAIORIA RELATIVA?  ADELINO MALTEZ: Pode ser muita, se tiver muita qualidade no governo e se conseguir mostrar que estão ali para fazer reformas. O Cavaco Silva (Primeiro-ministro de 1985 a 1995, antes de se tornar Presidente da República entre 2006 e 2016) começou com maioria relativa e depois transformou-se numa máquina de maiorias absolutas. Depende da disponibilidade de bons nomes e de pessoas com vocação para a política que existam na sociedade, que podem não ser inscritos no PSD, mas que querem mostrar que têm uma ideia sobre determinadas políticas públicas. E este governo não vai ter tempo para pensar muito. Vai ter que resolver o problema imediatamente -como ele promete, em 60 dias- da saúde. E vai ter que ter uma coisa chamada também "sorte". Sorte na política europeia e sorte no discurso. Depende. Tem que criar confiança que vá além dele, a partir de agora.  RFI: O PS JÁ GARANTIU QUE VAI SER PARTIDO DE OPOSIÇÃO E ISTO PODERÁ EXPRESSAR-SE, NOMEADAMENTE, NO VOTO DA LEI MAIS IMPORTANTE DO ANO, O ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO. QUE ESTRATÉGIA É QUE PODERIA SER ADOPTADA PELO PS, PELO CHEGA QUE GOSTARIA DE PARTICIPAR NO GOVERNO E QUE JÁ DISSE QUE PODERIA SER TAMBÉM UM FACTOR DE BLOQUEIO NO PARLAMENTO? E QUE ESTRATÉGIA PODERIA SER ADOPTADA PELA AD?  ADELINO MALTEZ: Se o governo tiver prestígio, nessa altura, chumbar o orçamento, convocar novas eleições, o PSD poderia ganhar as eleições. Eles também têm medo disso, os opositores. Dava o exemplo de Cavaco Silva que reforçou claramente a sua votação depois de incidentes, na altura, desencadeados pelo partido (PRD) de Ramalho Eanes e o PSD esmagou os adversários eleitoralmente. Cuidado. Deitar abaixo um Governo tem custos para quem o deita abaixo. Depende das circunstâncias.  RFI: OLHANDO RETROSPECTIVAMENTE PARA O PERÍODO QUE PORTUGAL ACABA DE CONHECER, A CAMPANHA ELEITORAL, QUAL ACHA QUE FOI O DESEMPENHO, POR EXEMPLO, DA COMUNICAÇÃO SOCIAL DURANTE TODO ESTE PROCESSO?  ADELINO MALTEZ: Há uma coisa que é a comunicação social, olhar de forma isenta e procurar a informação última sobre a matéria. A comunicação social foi impecável. Não temos jornais partidarizados no sentido de declararem para que lado é que vão votar. A chamada comunicação social interpretativa, os comentadores, sobretudo das televisões, revelaram muito que não tinham representantes de vários sectores importantes da sociedade portuguesa. Portanto, deviam ter o cuidado de ter comentadores comunistas, comentadores pró-Chega, um comentador católico. Estão muito dependentes dos jogos de corte que tentam pôr um funil e tentam ser missionários de determinado número de estados de espírito. Mas isso não é a comunicação social, é uma parcela que é mais barata de produzir, que é o comentador, o "Achismo". Não esqueçamos que aqui, dado o exemplo do Marcelo Rebelo de Sousa, nós entregamos as noites de domingo ao Marques Mendes ou ao Paulo Portas. Não há aqui espaços opinativos plurais.  RFI: QUAIS SÃO OS CENÁRIOS, A SEU VER, MAIS PLAUSÍVEIS NESTE MOMENTO EM PORTUGAL? ADELINO MALTEZ: Que este Governo vai resultar. Como português, e adepto deste regime competitivo, gostaria que acontecesse. Vai dar tempo ao PS para se distinguir e portanto, vai introduzir aqui elementos competitivos que são necessários para a democracia poder funcionar. E vai obrigar o Chega a deixar de ser o senhor André Ventura. Tem que mostrar mais valores, coisa que não fez até agora. 

13m
Mar 11, 2024
Jovens portugueses não sentem "foco" dos partidos nos seus problemas

Os jovens portugueses são possivelmente a geração mais qualificada de sempre, mas batem-se com problemas como baixos salários, um mundo do trabalho pouco competitivo e dificuldades de emancipação devido ao aumento dos preços da habitação, sentindo que esta campanha eleitoral para as eleições legislativas não tem propostas para eles. Portugal vai a votos no próximo dia 10 de Março, após um escândalo de corrupção ter motivado o fim do Governo socialista que até aí detinha a maioria absoluta. A RFI esteve em Portugal para discutir com analistas, académicos e activistas a importância destas eleições, que podem triplicar o número de deputados de extrema direita na Assembleia da República numa altura em que os portugueses sofrem com as consequências dos aumentos do custo de vida. Nos últimos 20 anos, 850 mil jovens entre os 15 e 39 anos deixaram Portugal. Em 2024, os jovens portugueses continuam a sentir que não são uma prioridade no debate político, debatendo-se com dificuldades a vários nivéis como explicou Ana Beatriz Basílio, de 24 anos, em entrevista à RFI. "", questiona a jovem. Esta vontade de partir contribui para o problema demográfico de Portugal, sendo um dos países mais velhos do Mundo, atingindo agora também os jovens mais qualificados, como descreve a demógrafa Lara Tavares, Professora Auxiliar no ISCSP, Universidade de Lisboa. "", explicou. Os baixos salários e a falta de progressão na carreira levam os jovens qualificados a quererem partir, segundo Rui Oliveira, presidente do Conselho Nacional de Juventude. "", indicou. Cerca de dois terços dos jovens entre os 20 e 30 anos por conta de outrem recebe um sário inferior a 1000 euros. Uma tendência que só se inverte nalguns segmentos como finanças, engenharias ou saúde, mas onde entra a concorrência de outros países onde esses profissionais podem ser muito mais bem remunerados, como explica a economista Alexandra Ferreira Lopes, professora Associada no ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa. "", explicou a docente. Salários que, segundo Mafalda Fernandes de 26 anos, não permitem aos jovens ter uma vida digna, tendo em conta os aumentos dos custos de vida, especialmente da habitação. "", contou Mafalda Fernandes. Mafalda Fernandes é psicóloga por conta próprio no Porto e activista na luta contra o racismo e tem muitas dificuldades em ver nos programas do partidos medidas que visem melhorar as condições de vida dos mais novos, especialmente porque a sociedade portuguesa é envelhecida e há muito mais pessoas mais velhas a votar do que jovens, logo os partidos tentam muito mais atrair as camadas da população que lhe darão mais votos. "", declarou. Alice Pão Alvo,universitária de 19 anos, tem tido também dificuldade em reconhecer-se nos programas, nomeadamente a desertificação do interior. Esta jovem de Castelo Branco viu-se obrigada a vir estudar para Lisboa para cursar Direito e questiona como é que se pode querer que mais jovens se fixem no interior sem hospitais, escolas nem emprego. "Em relação ao problema da falta de oportunidades no interior. Eu acho que isto é um tema que é muito menos discutido. Eu sinto que é um problema que é, digamos, reconhecido na generalidade, mas que é um problema que é muito estrutural e que também por si só, isso faz com que seja muito mais difícil haver uma mudança. Porque nós temos os distritos do interior, como a Guarda, como Portalegre, como Castelo Branco, que elegem muito, muito poucos deputados para a Assembleia da República. E por muito que seja um problema que se reconhece, são precisamente estes deputados que efetivamente sabem quais são as dificuldades desses territórios. Nós precisamos de atrair os jovens para o interior. Só que nós, para atrair jovens para o interior, temos que atrair empresas que tragam vagas de trabalho. Mas também é muito importante nós focarmo- nos em coisas muito mais elementares estradas, hospitais, escolas que actualmente não existem", disse. Outro ponto que os jovens também têm mostrado desagrado, é a falta de atenção às alterações climáticas na campanha eleitoral. Recentemente, activistas atiraram tinta verde contra Luís Montenegro, líder da coligação de direita, de forma a chamarem atenção para este fenómeno. Para Alice Pão Alvo, este é um tema que parece inquietar mais os jovens os restantes portugueses. "", indicou. Uma sondagem do início do ano indica que muitos jovens encontram "refúgio" político no partido de extrema-direita Chega. Uma constatação também para a activista Ana Beatriz Basílio. "", disse. Mas os jovens vão votar no dia 10 de Março? Rui Oliveira, presidente do Conselho Nacional de Juventude acredita que sim e que falar da abstenção ligada aos jovens "é uma má premissa". "", explicou. Nos 50 anos do 25 de Abril, e apesar de todos os problemas ligados à vida dos jovens portugueses, estes escolhem ainda acreditar num futuro melhor. "", concluiu Mafalda Fernandes.

13m
Mar 08, 2024
Movimento anti-imigração em Portugal é "violento, organizado e está mobilizado" nestas eleições

A campanha eleitoral em Portugal tem tentado ligar o aumento da imigração à violência, no entanto, os números mostram que apesar de nunca ter havido tantos imigrantes em terras lusas, os números da criminalidade continuam estáveis. Ao mesmo tempo, o número de ataques xenófobos tem vindo a aumentar, mostrando que o racismo e a xenofobia são hoje mais comuns em Portugal. Portugal vai a votos no próximo dia 10 de Março, após um escândalo de corrupção ter motivado o fim do Governo socialista que até aí detinha a maioria absoluta. A RFI esteve em Portugal para discutir com analistas, académicos e activistas a importância destas eleições, que podem triplicar o número de deputados de extrema direita na Assembleia da República numa altura em que os portugueses sofrem com as consequências dos aumentos do custo de vida. Pela primeira vez, Portugal tem mais imigrantes a chegar ao país do que portugueses que saem à procura de novas oportunidades. A recém-criada Agência para a Integração, Migrações e Asilo ou AIMA, que substituiu o SEF, recenseou mais de um milhão de estrangeiros em Portugal, ou seja, cerca de 10% da população do país. Para Ricardo Ferreira Reis, director do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP) da Universidade Católica Portuguesa, este é um fenómeno com o qual a sociedade portuguesa vive bem. "", declarou. No entanto, para quem chega a Portugal, o entendimento não é o mesmo. A imigração entrou no discurso político e tem dominado algumas campanhas eleitorais, levando à depreciação dos imigrantes na esfera pública, como conta Ana Paula Costa, vice-presidente da Casa do Brasil em Portugal. "", declarou Ana Paula Costa. Em plena campanha eleitoral, o líder do partido Chega, André Ventura, que tem cerca de 17% das intenções de voto dos portugueses, tem enumerado algumas das medidas que implementar caso chegue ao Governo. "", disse André Ventura num dos seus recentes comícios de campanha. Mas não é o único a associar a imigração à insegurança, como fez também Passos Coelho, ex-primeiro-ministro do PSD, no início da campanha. "", disse Pedro Passos Coelho num comício da AD, a coligação que inclui o PSD, CDS e PPM. Este é um discurso que não corresponde às estatísticas, já que apesar de a imigração ter aumentado em Portugal 98% desde 2014, esse aumento não se reflecte numa maior criminalidade já que segundo o Relatório Anual de Segurança Interna a criminalidade violenta e grave atingiu o terceiro número mais baixo desde 2014 em 2022. Quanto aos reclusos nas prisões portuguesas, em 2022, 84,7% tinham nacionalidade portuguesa. Ao mesmo tempo, o número de queixas por xenofobia e racismo tem aumento exponencialmente. Só em 2022, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial em Portugal recebeu 491 queixas, comparadas a 60 em 2014. "", declarou Ana Paula Costa. A Amnistia Internacional reconhece que o discurso em Portugal está "extremado" e que é preciso encontrar um equilíbrio sobre as fronteiras, de forma a proteger os imigrantes mais frágeis que possam estar a ser vítimas de tráfico humano, como lembra Pedro Neto, director-executivo da Amnistia Internacional Portugal. "", deseja Pedro Neto. Com a extinção do SEF, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em Outubro de 2023, e a repartição das suas competências por diversas polícias e uma nova entidade, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, tornou-se ainda mais difícil navegar a legalização de estrangeiros o que tem levado a um aumento do tráfico humano em Portugal que atinge agora tanto homens como mulheres, como constanta a Amnistia Internacional Portugal. "", explicou Pedro Neto. Estima-se que esta mudança da regulização de entrangeiros tenha levado a atrasos em cerca de 360 mil processos de pessoas que já vivem em Portugal. A Casa do Brasil em Lisboa ajuda e encaminha por dia entre 10 a 20 migrantes, brasileiros ou não, a compreenderem estas instituições recentemente criadas em Portugal e denuncia estes atrasos. "", denunciou Ana Paula Costa. Mas será que com um milhão de imigrantes e tal como defendem alguns partidos… Já chega? Portugal é um dos países mais idosos do Mundo e, desde 2022 tem vindo a registar um aumento de nascimentos. Em 2023, nasceram em Portugal 85.764 nados vivos, um número só possível graças à imigração como explica o demógrafo Jorge Malheiros, professor do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. "", disse o demógrafo. Para a economia portuguesa, a chegada de imigrantes é também uma boa notícia, como considera a economista Alexandra Ferreira-Lopes, professora Associada no ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa. "", concluiu Alexandra Ferreira-Lopes.

14m
Mar 07, 2024
Portugueses já não pedem casa, pedem uma "casinha" para morar

O aumento do preço das rendas disparou em Portugal nos últimos anos, com Lisboa a ser a cidade mais cara da Europa para alugar casa tendo em conta a média dos salários em Portugal. Jovens, famílias e idosos estão a sofrer as consequências de uma bolha imobiliária que pode rebentar a qualquer momento. Portugal vai a votos no próximo dia 10 de Março, após um escândalo de corrupção ter motivado o fim do Governo socialista que até aí detinha a maioria absoluta. A RFI esteve em Portugal para discutir com analistas, académicos e activistas a importância destas eleições, que podem triplicar o número de deputados de extrema direita na Assembleia da República numa altura em que os portugueses sofrem com as consequências dos aumentos do custo de vida. Em Janeiro de 2023, Diogo Faro, humorista português abordou num vídeo nas redes sociais o aumento das rendas em Portugal. O vídeo foi visto por mais de 500 mil pessoas e levou Diogo Faro a tornar-se um dos rostos mais visíveis do combate à escalada imobiliária em Portugal, levando-o mesmo a criar o movimento “Casa é um direito”, que em conjunto com outras associações de inquilinos já levou à rua milhares de pessoas nas principais cidades lusas. Em entrevista à RFI, Diogo Faro descreveu o panorama actual para quem se quer instalar em Lisboa. "", disse Diogo Faro. Uma “casinha” é também o desejo de Ana Beatriz Basílio.  Esta jovem activista originária de Estremoz, assume que tem um salário acima da média para a sua idade, mas mesmo assim debate-se para encontrar uma casa em Lisboa. "", descreveu a jovem. Números actualizados, mostram que no final de 2023, o valor médio dos imóveis para arrendar em Portugal registou um aumento na renda média de 41%, estando 350 euros mais caro, quando comparado com 2022, fixando-se agora em 1.200€. Em Lisboa, o preço médio de um T1, ou seja, uma casa com um quarto é de 2.500 euros, tendo-se tornado a cidade mais cara da Europa, especialmente tendo em conta o salário mínimo em Portugal que se situa nos 740 euros. Também no Porto, as rendas dispararam, como relata Mafalda Fernandes. "", indicou. Mas em Portugal existe uma bolha imobiliária? A economista Alexandra Ferreira-Lopes, professora Associada no ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa, afirma que sim. "", descreveu. O fim dos Vistos Gold foi anunciado em Fevereiro de 2023 pelo então primeiro-ministro, António Costa, após vários países europeus terem terminado este regime devido ao conflito na Ucrânia, já que muitos oligarcas e próximos de Putin, tinham nacionalidade de diversos países da União Europeia devido a grandes investimentos. Em Portugal, os vistos gold que pediam em troca de um livre trânsito no espaço Schengen investimentos de milhares de euros, terão rendido no total mais de sete mil milhões de euros, com cerca de 90% desse capital a ser aplicado em imobiliário. Esta pressão no mercado imobiliário, associado ao aumento de custo de vida devido a fenómenos como a covid ou os diferentes conflitos mundiais, fizeram com que os portugueses, mesmo trabalhando, tenham dificuldade a ter acesso à habitação como descreveu Pedro Neto, director-executivo da Amnistia Internacional. "", reflectiu. A habitação tornou-se um problema diametral à sociedade portuguesa, com o Governo e os partidos a terem dificuldades a encontrar respostas para esta crise que a Amnistia Internacional já qualificou como violação dos direitos humanos. "", declarou Pedro Neto. Assim, os jovens portugueses esperam agora que sejam tomadas medidas que visem mais habitação, como pede Rui Oliveira, presidente do Conselho Nacional da Juventude português. "", defendeu Rui Oliveira. Só em 2023 o preço dos quartos para os estudantes universitários subiu 10% segundo o Observatório do Alojamento Estudantil. Alice Pão Alvo, com 19 anos e a frequentar o segundo ano do curso de Direito em Lisboa, diz que esta se tornou uma das maiores preocupações dos universitários e das famílias portuguesas. "", disse a estudante. Lisboa e Porto perderam já mais de 76 mil habitantes nos últimos anos, especialmente nos bairros tradicionais onde o alojamento local está a ganhar terreno face ao antigo convívio entre vizinhos. Neste caso, os idosos, especialmente os que vivem nos centros das grandes cidades, estão a ser também muito afectados, com relatos de episódios de pressão imobiliária que têm como objectivo retirá-los das suas casas. Diogo Faro revela algumas destas práticas. "", contou Diogo Faro. Com mais ou menos medidas à esquerda ou à direita, Portugal, como pequena economia no seio da União Europeia terá dificuldade em mudar esta tendência global de encarecimento das casas, especialmente nas grandes metrópoles, como explicou a economista Alexandra Ferreira-Lopes. "", afirmou economista. Mesmo assim, os lisboetas gostavam de ver algumas medidas imediatas de alívio. ", concluiu Diogo Faro.

18m
Mar 06, 2024
Corrupção em Portugal abre a porta à "desconfiança" e ao "populismo"

A corrupção está no centro das eleições de 10 de Março em Portugal, em parte por ter causado a queda do Governo de maioria absoluta de António Costa, e, por outro lado, ser utilizado como "arma de arremesso" pelos partidos populistas que se candidatam. Portugal vai a votos no próximo dia 10 de Março, após um escândalo de corrupção ter motivado o fim do Governo socialista que até aí detinha a maioria absoluta. A RFI esteve em Portugal para discutir com analistas, académicos e activistas a importância destas eleições, que podem triplicar o número de deputados de extrema direita na Assembleia da República numa altura em que os portugueses sofrem com as consequências dos aumentos do custo de vida. Em 2023, Portugal foi considerado como o 34º país no Mundo com menos corrupção, de acordo com o Índice de Percepção da Corrupção levado a cabo pela organização Transparência Internacional que avalia 180 países. No entanto, e devido a escândalos nos anos recentes que mostram a propagação da corrupção um pouco por toda cadeia da administração e chegando aos cargos mais destacados da república, este é um tema cada vez mais preponderante na altura de votar. Sondagens recentes sobre as prioridades dos portugueses nas eleições de 10 de Março, mostram mesmo que a corrupção está entre os principais problemas que os lusos querem ver resolvidos, como disse Jorge Máximo, que integra a direcção da organização Transparência Internacional Portugal. "", disse Jorge Máximo. Estas eleições foram marcadas pelo Presidente da Republica após a demissão do primeiro-ministro, António Costa, devido ao seu alegado envolvimento num caso de corrupção que incluía amigos próximos, ministros e mesmo o seu chefe de gabinete. A operação Influecer, como foi apelidada pela polícia, relembra, segundo Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, a inércia dos partidos políticos para travar práticas de corrupção. "", disse o académico. Com a não constituição como arguido do agora primeiro-ministro interino, António Costa, sobre quem chegaram a pairar suspeitas num comunicado da Procuradoria-Geral da República, e outros casos de corrupção que se arrastam há vários anos na justiça, como o caso do antigo ex-primeiro-ministro José Sócrates, a morosidade dos tribunais tem levado à descredibilização da justiça em Portugal. Uma descredibilização que se está a tornar em desconfiança por parte dos portugueses. "", disse Jorge Máximo. Tendo como ponto de partida que não há uma vacina contra a corrupção e que ela existe em todas as democracias do Mundo, resta às autoridades legislarem da melhor forma, ouvindo todos os agentes que trabalham no combate a este tipo de práticas, mas também o reforço ético e de condenação dentro dos próprios partidos políticos. Este é um trabalho que tem de ser feito em parceria com as organizações da sociedade civil, sob pena de casos com o da operação Influencer continuarem a alimentar discursos populistas sobre a corrupção. "", avisou Jorge Máximo. A retórica do combate à corrupção, cada vez mais utilizada nos debates e campanha eleitoral que estão a antecipar o voto de 10 de Março são, no entanto, e de acordo com Luís de Sousa, ocas e têm pés de barro. "", concluiu Luís de Sousa.

11m
Mar 05, 2024
Com incerteza de eleitores até à última, Portugal é "um barril de pólvora e prestes a rebentar"

A uma semana das eleições antecipadas em Portugal, a direita está à frente nas sondagens, mas o número de indecisos tem aumentado com muitos portugueses a escolherem só no último momento em quem vão votar. Esta indefinição política acontece numa altura em que as dificuldades sociais estão a aumentar e podem gerar uma onda de insatisfação face ao próximo Governo. Portugal vai a votos no próximo dia 10 de Março, após um escândalo de corrupção ter motivado o fim do Governo socialista que até aí detinha a maioria absoluta. A RFI esteve em Portugal para discutir com analistas, académicos e activistas a importância destas eleições, que podem triplicar o número de deputados de extrema direita na Assembleia da República numa altura em que os portugueses sofrem com as consequências dos aumentos do custo de vida. Actualmente, as sondagens dão a AD, a coligação pré-eleitoral de direita que junta Partido Social Democrata, o CDS e o Partido Popular Monárquico, como possível vencedor, mas sem maioria absoluta. O que deixa no ar a questão de um possível entendimento com o Chega, partido de direita radical, como explica André Freire, professor Catedrático em Ciência Política do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa. "", disse o investigador. Mas quem são os eleitores que votam no Chega? Ricardo Ferreira Reis, diretor do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP) da Universidade Católica Portuguesa, tenta caracteriza-los. "", afirmou Ricardo Ferreira Reis. Já o Partido Socialista, que perdeu a maioria absoluta devido ao escândalo da Operação Influencer que levou à demissão de António Costa e consequente queda do seu Governo, parece mais longe de uma vitória e, mesmo que ganhe, não repetirá a maioria tendo de entrar em acordos parlamentares à esquerda. Nos dois cenários, com vitória à esquerda e à direita, pode estar a abrir-se uma fase de governos mais curtos como explica André Freire. "", declarou André Freire. Após uma série de debates nas televisões portuguesas e após a primeira semana de campanha, o que é mais preocupa os portugueses nesta eleição? Ricardo Ferreira Reis responde. "", indicou Ricardo Ferreira Reis. A maior oferta partidária, mas também fenómenos com a covid, as crises internacionais e a instabilidade política dos últimos meses estão a adiar a escolha definitiva dos portugueses nestas eleições, levando a que muitos decidam à última da hora, engrossando assim o número de indecisos mesmo na última semana de campanha, como mostram as sondagens da Universidade Católica. "", disse o director do CESOP. Independentemente de quem ganhe as eleições, as preocupações dos portugueses vão continuar, com André Freire a estimar que caso o nível de vida não melhore, as manifestações no país vão continuar. "", concluiu André Freire.

11m
Mar 04, 2024
CLONE - Espectáculo “Bate Fado” liberta o fado dos tempos da ditadura

A peça “Bate Fado”, da dupla Jonas & Lander, é apresentada na Maison de la Danse de Lyon, no âmbito do lançamento, em França, das comemorações dos 50 anos da “Revolução dos Cravos”. Em palco, nove intérpretes - entre bailarinos, músicos e um fadista coreógrafo - resgatam a dança que o fado perdeu no século XIX para a devolver ao universo coreográfico do século XXI. Jonas & Lander abanam a catedral do fado conservador e deixam as portas escancaradas a uma festa pagã, onde todos são convidados. RFI: CINQUENTA ANOS DEPOIS DO 25 DE ABRIL, “BATE FADO” É MUITO LIBERTADOR. O QUE É QUE REPRESENTA SIMBOLICAMENTE ESTE ESPECTÁCULO, QUANDO O FADO FICOU TÃO AGARRADO À IMAGEM DA DITADURA DE "FADO, FUTEBOL E FÁTIMA"? LANDER PATRICK: JONAS LOPES: O FACTO DE VOCÊS, DE CERTA FORMA, DEVOLVEREM O CARÁCTER SUBVERSIVO AO FADO, 50 ANOS DEPOIS DO 25 DE ABRIL E CERCA DE 100 ANOS DEPOIS DE ELE TER PERDIDO ESSE CARÁCTER FESTIVO, SIGNIFICA TAMBÉM QUE VOCÊS SÃO, DE CERTA FORMA, OS FILHOS DA “REVOLUÇÃO DOS CRAVOS”? LANDER PATRICK: MAS HÁ A LIBERDADE DE CRIAR E HÁ A LIBERDADE DE SER SUBVERSIVO E DE DEVOLVER O LADO, SE CALHAR, MAIS PAGÃO A COISAS QUE ATÉ AGORA ERAM QUASE SANTIFICADAS, COMO O FADO... JONAS LOPES: JUSTAMENTE, QUE FADO É ESTE? DE ONDE É QUE SURGE A DANÇA DO FADO? LANDER PATRICK: E A PARTE DA DANÇA? JONAS LOPES:    E A EXPRESSÃO "BATER O FADO", DE ONDE VEM? JONAS LOPES: ALÉM DO FADO CANTADO E DO FADO BATIDO, VOCÊS FAZEM SAPATEADO E DANÇA CONTEMPORÂNEA. COMO É QUE CONSEGUEM CRUZAR ESTES DOIS MUNDOS APARENTEMENTE PARADOXAIS DA DANÇA E DO FADO, ASSIM COMO O MUNDO CONSERVADOR E O ABSOLUTAMENTE CONTEMPORÂNEO E TRANSGRESSIVO? LANDER PATRICK: JONAS LOPES: LANDER PATRICK: O JONAS É TAMBÉM FADISTA, É BAILARINO, É COREÓGRAFO E, NO FUNDO, ESTÁ A DEVOLVER A DANÇA AO FADO. INVENTOU, DE CERTA FORMA, O CONCEITO DE FADISTA COREÓGRAFO? JONAS LOPES: “BATE FADO” SOBE AO PALCO DA MAISON DE LA DANSE, A 11 E 12 DE JANEIRO DE 2024.

13m
Mar 04, 2024
CLONE - “O 25 de Abril começa em Angola”

O estalar da guerra de libertação em Angola, em 1961, foi o início do fim do regime salazarista e do colonialismo português. No dia 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas derrubou a mais longa ditadura europeia do século XX e a força por detrás do golpe militar começou em África face à revolta contra as guerras nos territórios colonizados. Para a antiga ministra da Justiça de Portugal, Francisca Van Dunem, não há dúvidas: “O 25 de Abril começa em Angola”. Nesta reportagem, fomos até à cidade francesa de Lyon ouvir uma conferência em torno dos 50 anos da Revolução dos Cravos e falámos com dois dos oradores: a antiga ministra da Justiça de Portugal Francisca Van Dunem e o escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa. A conferência decorreu na “Maison Internationale des Langues et des Cultures”, no dia do arranque, em França, das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. A França acolheu imensos exilados políticos durante a ditadura portuguesa e acompanhou, de perto, a revolução. Por isso, diferentes cidades acolhem, este ano, ciclos de cinema, conferências, debates, espectáculos e concertos em torno do tema. Em Lyon, a conversa teve como mote “ e permitiu compreender o contexto internacional em que o 25 de Abril se deu, as guerras de libertação e as lições a reter numa altura em que se assiste à subida dos extremismos. Aproveitámos a oportunidade para falar com a antiga ministra da Justiça e Administração Interna de Portugal, Francisca Van Dunem, e o escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa sobre como viveram aquela época. Para o também historiador, se nesta história se se ousar falar em heróis, então esses foram os povos que ganharam a liberdade à custa de perderem os filhos na guerra. Para Francisca Van Dunem, é preciso relembrar que não há dúvidas que “o 25 de Abril começa em Angola”.   FRANCISCA VAN DUNEM: “O 25 DE ABRIL COMEÇA EM ANGOLA”  , começa por considerar Francisca Van Dunem. A antiga ministra da Justiça sublinha que “” que estão na origem da revolução. Francisca Van Dunem recorda ainda que, na altura, “as pessoas acabavam o curso e iam para a guerra, as pessoas chumbavam e iam para a guerra”, sendo “”. Além disso, a situação era “”. Por todas estas razões, “” que, sublinha, “”. Questionada sobre se homenagear os Capitães de Abril, numa perspectiva centrada em Portugal, não significa esquecer líderes da libertação dos antigos países colonizados, Francisca Van Dunem responde que “”. Porém, acrescenta que “” conduziram ao “”. Se, ainda hoje, domina a ideia de que o 25 de Abril foi um evento praticamente sem sangue, para trás fica toda a violência do colonialismo e da guerra. Tanto é que pouco se fala por exemplo, dos massacres da Baixa de Cassange, de Wiriamu, da Operação Nó Górdio ou da Operação Mar Verde.  Porque não falar nisto, nas escolas, por exemplo? Francisca Van Dunem admite que “”. “”, acrescentou. Francisca Van Dunem nasceu em Luanda em 1955 e cresceu num ambiente familiar de militância e luta contra o colonialismo, sabendo, desde pequena, que estava “”. “”, recorda. Depois dos acontecimentos de 1961, em Luanda, “” devido “” e “”. Além disso, os ideais de justiça eram também alimentados pelo irmão mais velho, “que era militante do MPLA desde a primeira hora” e que a fez conhecer, desde cedo, os elementos da estrutura clandestina do MPLA. [Anos depois, o irmão José Van Dunem e a companheira Sita Valles seriam assassinados, como milhares de outros militantes do MPLA, depois dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977 que levaram ao que muitos chamaram de “Purga em Angola https://www.rfi.fr/pt/programas/convidado/20210805-o-longo-caminho-para-a-reconciliação-nacional-em-angola” e que visou os apoiantes de Nito Alves em rota de colisão contra Agostinho Neto.] Em 1973, Francisca Van Dunem vai para Portugal estudar direito e também aí soube logo qual era o seu “lado”. Mesmo que houvesse uma mobilização crescente contra a guerra colonial, nomeadamente no meio académico, a jovem de 17 anos não manteve contactos com oposicionistas do regime e aquilo que sobressaía na universidade era mais “as reivindicações de natureza política” dos estudantes do que as preocupações com a guerra e o colonialismo. “”, acrescenta. Escassos meses depois de chegar a Lisboa, Francisca foi surpreendida com o 25 de Abril de 1974 e, algum tempo depois, percebeu que “a questão colonial podia estar em causa”. UNGULANI BA KA KHOSA: “OS HERÓIS DE TUDO ISTO SÃO OS POVOS” O 25 de Abril veio “” do moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa – a expressao é mesmo dele. Na altura, tinha apenas 16 anos, mas a ida para a guerra já estava no seu horizonte. “”, conta o escritor. Ungulani Ba Ka Khosa recorda que Portugal tinha uma guerra em três frentes em África, “” e havia “”, seja em termos humanos, militares e financeiros. , explica. O escritor admite que a história tende a fraccionar os acontecimentos, mas há elos que não se podem apagar, nomeadamente os séculos de colonialismo. Nesse sentido, O 25 DE ABRIL SERVIU “AMBAS AS PARTES”: “PORTUGAL E A SUA DEMOCRATIZAÇÃO, ASSIM COMO A LIBERTAÇÃO DOS PAÍSES COLONIZADOS POR PORTUGAL”. Ungulani Ba Ka Khosa não concorda que o sangue derramado durante o colonialismo e as guerras de libertação sejam esquecidos quando se diz que o 25 de Abril foi uma revolução relativamente pacífica. ”, afirma. O também historiador sublinha que se heróis os houve, então esses foram os povos que ganharam a liberdade, mas perderam os filhos na guerra:  Ungulani Ba Ka Khosa alerta que a democracia e a liberdade são valores constantemente ameaçados e, por isso, devem ser cuidados. Francisca Van Dunem avisa, também, que  e tem a capacidade para Por isso, fica no ar a questão: cinquenta anos depois do derrube do fascismo em Portugal, como é que se defendem as democracias? ”, conclui Francisca Van Dunem.

19m
Mar 04, 2024
Moçambique: "Geografia do conflito mudou" em Cabo Delgado

Teve lugar esta quinta-feira, 29 de Fevereiro, um workshop sobre a exploração e governança de recursos naturais e desenvolvimento local em Cabo Delgado, no norte de Moçambique. , defende o coordenador provincial do Centro Para Democracia e Direitos Humanos (CDD) em Cabo Delgado, Abdul Tavares, que participou no workshop. RFI: QUAIS FORAM AS GRANDES PREOCUPAÇÕES LEVANTADAS DURANTE ESTE WORKSHOP? ABDUL TAVARES: O workshop pretendia discutir sobre a exploração, a governação de recursos naturais e o desenvolvimento local em Cabo Delgado. Uma das grandes questões que foi levantada é como é que essa exploração pelas empresas multinacionais pode significar a criação de oportunidades e, consequentemente, o bem estar para as comunidades locais. O CONFLITO SURGE NO MOMENTO EM QUE FOI DESCOBERTO GÁS NATURAL EM CABO DELGADO. QUAL É HOJE, PASSADOS SETE ANOS, A CORRELAÇÃO ENTRE O QUE ESTÁ A ACONTECER ÀS POPULAÇÕES LOCAIS E ESTA EXPLORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS? Para aquilo que foi discutido no workshop, essa questão ainda continua por ser desvendada porque ainda não existem factos suficientes que possam provar que existe uma relação entre a maldição dos recursos e o conflito em Cabo Delgado. No entanto, por essa via, a workshop e as pessoas que discutiram olharam para essa questão de forma muito cuidadosa pelo facto de não terem dados suficientes para afirmar categoricamente relativamente a este ponto. RELATIVAMENTE A ESTE PONTO DE QUE FALA, QUAL É A LEITURA QUE FAZEM AÍ EM CABO DELGADO, ONDE SE ENCONTRA? Até há sete anos atrás, pode ter havido algumas questões que podem estar interligadas com a juventude. Por exemplo, alguns garimpeiros [da mineira] da Montepuez que foram expulsos e depois este elemento é sempre levado em conta quando se fala do surgimento do conflito porque se acredita que alguns desses jovens foram depois levados para a insurgência. Entretanto, como eu disse antes, as pessoas que abordaram esses elementos ao longo do workshop tentaram olhar de forma cuidada, uma vez que não existe uma evidência a respeito deste assunto. Mas são ligações, são leituras e são tentativas de compreensões que diferentes actores têm estado a trazer. A INSTABILIDADE LABORAL NO NORTE DE MOÇAMBIQUE, EM CABO DELGADO, A PRECARIEDADE DOS MAIS JOVENS, MAS NÃO SÓ, TEM VINDO A CONDUZIR A UM MAIOR RECRUTAMENTO POR PARTE DOS INSURGENTES. É ISSO QUE ESTÁ A DIZER? Não necessariamente, mas são elementos que alguns dos estudos que são feitos ao nível de Cabo Delgado levantam Estas hipóteses. Então, sendo hipóteses, não se pode levar necessariamente como elementos acabados e assumir se de que realmente exista uma ligação directa entre o desemprego de forma geral e o recrutamento para a insurgência. Entretanto, como eu disse, são alguns dos elementos que são levantados sempre que se fala desta questão, uma vez que se acredita que se estes jovens tivessem uma ocupação, se estivessem a trabalhar, não seriam recrutados para a insurgência. Entretanto, temos visto também que existem recrutamentos involuntários em que os terroristas podem entrar dentro de um distrito e sequestrar alguns jovens que podem se encontrar, por exemplo, a desenvolver um comércio, entre outros pontos. Portanto, esses são elementos não acabados. Acreditamos que com um estudo mais aprofundado podem ser desvendados. DESDE O INÍCIO DO CONFLITO, PORTANTO, EM 2017, LEVANTARAM SE INÚMERAS HIPÓTESES DAS QUAIS SE FALA. COMO É QUE ESTÁ A CABO DELGADO E QUE TRANSFORMAÇÕES DECORRERAM NOS ÚLTIMOS ANOS? Obviamente que a geografia do conflito mudou, sobretudo nos últimos dois, três anos, com a entrada das tropas do Ruanda e da SAMIM, houve uma fragilização da parte dos grupos armados não estatais que actualmente, como têm acompanhado, têm se deslocado para zonas que antes não eram normais. Recentemente, em Chiúre, onde se acredita que depois de um ataque que foi protagonizado pelas tropas moçambicanas e pelas tropas de Ruanda, eles dividiram-se em pequenas células e estavam à procura de um abrigo ou de um espaço seguro. Portanto, saíram a pé, estavam a fugir e acabaram passando pela zona de Chiúre, onde não ficaram. Nesse contexto, acabaram atormentando a população e a população saiu em debandada, criando uma nova vaga de deslocados internos. Depois de um grande período de normalização em que a população já tinha ou já voltou para os distritos críticos, como por exemplo, Mocimboa da Praia... E MUEDA? Mueda nunca foi atacado directamente, mas já teve vários grupos de deslocados alojados lá. O GOVERNO MOÇAMBICANO AVANÇOU RECENTEMENTE QUE ESTÁ A PREPARAR CONDIÇÕES PARA UMA EVENTUAL SAÍDA DAS FORÇAS DA COMUNIDADE DE DESENVOLVIMENTO DA ÁFRICA AUSTRAL. EXISTEM CONDIÇÕES PARA ESTA SAÍDA QUANDO, COMO ACABA DE DIZER, MILHARES DE PESSOAS FUGIRAM DOS ATAQUES ARMADOS DAS ÚLTIMAS SEMANAS NA PROVÍNCIA DE CABO DELGADO. O GOVERNO AVANÇA COM NÚMEROS DE 67.000 PESSOAS DESLOCADAS NOS ÚLTIMOS DIAS. Penso que esta decisão não foi tomada hoje e nem tinha em conta o que está a acontecer agora. É uma decisão que já vinha desde o ano passado, quando se tomou esta decisão de retirar de forma faseada as tropas da SAMIM que vai ser concluída nos meados deste ano. Portanto, penso que hoje, por exemplo, se olharmos para as condições, existe informação se calhar classificada em relação a isso, mas o que nós temos acompanhado é que o governo moçambicano tem recebido apoios em termos de treinamento, parte de mecanismos da União Europeia e de alguns países, de forma particular, para melhorar as condições das forças de defesa e segurança. Se calhar estavam em formação e talvez estejam, hoje, preparados para tomar o espaço que vai ser deixado pelas tropas da SAMIM. "O RECRUDESCIMENTO DOS ATAQUES E DA MOVIMENTAÇÃO DOS GRUPOS TERRORISTAS NA PROVÍNCIA DE CABO DELGADO NÃO VAI CONDICIONAR A REALIZAÇÃO DE ELEIÇÕES GERAIS MARCADAS PARA OUTUBRO DESTE ANO", GARANTIU A COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES, QUE GARANTE TAMBÉM QUE O RECENSEAMENTO ELEITORAL VAI ARRANCAR A PARTIR DE DIA 15 DE MARÇO. HÁ CONDIÇÕES EM CABO DELGADO PARA QUE DECORRA ESTE PROCESSO DE RECENSEAMENTO E MAIS TARDE, A 9 DE OUTUBRO, AS ELEIÇÕES? Penso que é muito cedo para medir se há ou não condições para a realização das eleições. As eleições serão em Outubro deste ano e se calhar o governo e as instituições de governação eleitoral tenham em manga um plano que possa operacionalizar este processo. Sem dados, não consigo fazer uma leitura muito profunda sobre este ponto. QUANTO AO RECENSEAMENTO ELEITORAL, JÁ QUE SE ENCONTRA EM MOÇAMBOLA DA PRAIA, HÁ CONDIÇÕES PARA AS PESSOAS SE RECENSEAAREM SEM MEDO? CRIAR UM DISPOSITIVO PARA ESTE RECENSEAMENTO ELEITORAL JÁ DENTRO DE DUAS SEMANAS, A PARTIR DO DIA 15 DE MARÇO? Neste ponto existe a experiência das eleições autárquicas do ano passado, que, em primeiro lugar, também demandaram o processo de recenseamento. Penso que se calhar as instituições de governação eleitoral estejam a pensar nesta estratégia que usaram, neste conhecimento e nesta experiência que tiveram do pleito passado. Penso que estes são os elementos que posso avançar sobre este ponto. RESTA SABER SE REALMENTE VAI HAVER PESSOAS NA PROVÍNCIA DE CABO DELGADO PARA VOTAR, JÁ QUE EXISTE ESTA FUGA MASSIVA DE MILHARES DE PESSOAS QUE FOGEM DE ATAQUES E QUE, PORTANTO, PROVAVELMENTE NÃO SE VÃO RECENSEAR TAMBÉM EM CONSEQUÊNCIA, NÃO VÃO PODER VOTAR NAS ELEIÇÕES GERAIS. Sim, por isso eu disse que antes, por exemplo, quando ainda estava a iniciar o processo de recenseamento no ano passado, no distrito de Mocimboa da Praia para as eleições autárquicas, muitas pessoas ainda não tinham regressado para Mocimboa da Praia e as instituições de governação eleitoral encontraram uma forma para as pessoas regressarem, se recensearem e votarem. Penso que existe, obviamente, um plano quando uma instituição aparece a falar sobre a criação de condições, penso que existe um plano a respeito disso para poder colmatar esta falha. UM PLANO QUE IMPLICA GARANTIR A SEGURANÇA NA REGIÃO, NÃO É? Exactamente, sim.

9m
Mar 01, 2024
História africana em Lisboa ganha visibilidade com busto e placas toponímicas

A presença africana em Lisboa tem milénios. Parte dessa história foi recentemente resgatada e ganhou visibilidade nas ruas da capital portuguesa. A ASSOCIAÇÃO CULTURAL E JUVENIL , que trabalha com crianças, jovens e adultos interessados na cultura africana, COLOCOU 20 PLACAS TOPONÍMICAS E UM BUSTO (em homenagem a "Pai Paulino") QUE AJUDAM A CONTAR A HISTÓRIA DE PORTUGAL. Nas placas estão identificadas personalidades e locais marcantes da Lisboa africana desde o século XV. Aquilo que "" sobre a história africana está agora mais visível, mais acessível. O VICE-PRESIDENTE DA BATOTO YETU, JOSÉ NEVES, QUE FALOU COM A RFI SOBRE O TRABALHO DA ASSOCIAÇÃO NA SENSIBILIZAÇÃO DA COMUNIDADE PARA AS QUESTÕES DA CULTURA AFRICANA, começa por nos revelar que a iniciativa de colocar placas toponímicas surgiu a partir da investigação para um espectáculo. RFI: COMO É QUE A INICIATIVA SURGIU? JOSÉ NEVES: RFI: FALANDO CONCRETAMENTE DESTAS PLACAS TOPONÍMICAS, HÁ ALGUMAS PERSONALIDADES QUE SÃO MENCIONADAS. QUE PERSONALIDADES SÃO ESSAS?   JOSÉ NEVES: RFI: O TRABALHO DA ASSOCIAÇÃO BATOTO YETU ESTÁ ACESSÍVEL ATRAVÉS DO DIGITAL. QUEM FOR À PROCURA, ONDE É QUE PODE PROCURAR E O QUE É QUE VAI ENCONTRAR? JOSÉ NEVES:

10m
Feb 29, 2024
Maria João Tomás: «A solução tem de passar pela criação de dois Estados»

O Emir do Qatar, Sheikh Tamim bin Hamad Al-Thani, está em visita oficial a França durante dois dias onde se reuniu com o Presidente, Emmanuel Macron. UM DOS TEMAS PRINCIPAIS É O CESSAR-FOGO EM GAZA, ALIÁS VÁRIOS ACTORES EM TORNO DO CONFLITO ENTRE ISRAEL E A PALESTINA TÊM AFIRMADO QUE A TRÉGUA SERÁ EFECTIVA EM BREVE e vai durar durante todo o mês muçulmano de jejum do Ramadão que começa a 10 de Março. O PRESIDENTE NORTE-AMERICANO, JOE BIDEN, ASSEGUROU QUE TODAS AS OFENSIVAS ISRAELITAS SERIAM SUSPENSAS DURANTE O RAMADÃO visto que negociações estavam em curso. NEGOCIAÇÕES QUE DECORRERAM EM PARIS entre representantes israelitas, norte-americanos, egípcios e qataris. UM CESSAR-FOGO PODERÁ ENTRAR EM VIGOR, MAS OS PRINCIPAIS ACTORES NÃO ESTIVERAM NESSAS CONVERSAS como referiu a professora do ISCTE, Maria João Tomás. O HAMAS E O PRIMEIRO-MINISTRO ISRAELITA, BENJAMIN NETANYAHU, NÃO FORAM CONSULTADOS E OS ACORDOS ESTABELECIDOS POR REPRESENTANTES TERÃO DE TER A APROVAÇÃO DAS DUAS PARTES, algo muito instável para Maria João Tomás. Perante esse cenário de possível cessar-fogo, que teria uma duração limitada no tempo, segundo as informações recolhidas seria apenas durante o ramadão, MARIA JOÃO TOMÁS, EM ENTREVISTA À RFI, AFIRMOU QUE A ÚNICA SOLUÇÃO SERIA A CRIAÇÃO DE DOIS ESTADOS EM QUE ISRAEL NÃO TERIA NENHUM CONTROLO SOBRE O TERRITÓRIO PALESTINIANO E O HAMAS NÃO TERIA MÃO SOBRE ESSE MESMO TERRITÓRIO. MARIA JOÃO TOMÁS TAMBÉM COMENTOU A INICIATIVA QATARI, SENDO QUE O PAÍS DO MÉDIO ORIENTE QUER TER MAIS PESO NA REGIÃO e ser o interlocutor privilegiado nesse tipo de conflitos, sabendo que o Qatar acolhe várias responsáveis do Hamas no seu território. De notar que NESTA TERÇA-FEIRA, O GOVERNO DA AUTORIDADE PALESTINIANA APRESENTOU A SUA DEMISSÃO, MANTENDO-SE APENAS O PRESIDENTE MAHMOUD ABBAS. PARA MARIA JOÃO TOMÁS, ESSA INICIATIVA PODERÁ SER POSITIVA PARA COLOCAR PESSOAS MAIS CONSENSUAIS À FRENTE DESSA AUTORIDADE, INCLUSIVE MARWAN BARGHOUTI, detido pelos israelitas, mas que poderá ser libertado na troca de prisioneiros entre o Hamas e o Governo de Israel. NO TERRENO, AS FORÇAS ARMADAS ISRAELITAS ESTÃO A PONDERAR UMA OFENSIVA CONTRA RAFAH NO SUL DA FAIXA DE GAZA, ONDE ESTÃO CERCA DE 1,4 MILHÕES DE REFUGIADOS, mas uma zona considerada como o último bastião do Hamas. De notar ainda que O CESSAR-FOGO NEGOCIADO POR PAÍSES MEDIADORES AINDA NÃO TEM O AVAL DO HAMAS E DO GOVERNO ISRAELITA, visto que Israel pede a libertação de todos os reféns, enquanto o Hamas pede a saída das tropas israelitas da Faixa de Gaza.

9m
Feb 28, 2024