Movimento anti-imigração em Portugal é "violento, organizado e está mobilizado" nestas eleições
MAR 07, 2024
Play
Description Community
About

A campanha eleitoral em Portugal tem tentado ligar o aumento da imigração à violência, no entanto, os números mostram que apesar de nunca ter havido tantos imigrantes em terras lusas, os números da criminalidade continuam estáveis. Ao mesmo tempo, o número de ataques xenófobos tem vindo a aumentar, mostrando que o racismo e a xenofobia são hoje mais comuns em Portugal.

Portugal vai a votos no próximo dia 10 de Março, após um escândalo de corrupção ter motivado o fim do Governo socialista que até aí detinha a maioria absoluta. A RFI esteve em Portugal para discutir com analistas, académicos e activistas a importância destas eleições, que podem triplicar o número de deputados de extrema direita na Assembleia da República numa altura em que os portugueses sofrem com as consequências dos aumentos do custo de vida.

Pela primeira vez, Portugal tem mais imigrantes a chegar ao país do que portugueses que saem à procura de novas oportunidades. A recém-criada Agência para a Integração, Migrações e Asilo ou AIMA, que substituiu o SEF, recenseou mais de um milhão de estrangeiros em Portugal, ou seja, cerca de 10% da população do país.

Para Ricardo Ferreira Reis, director do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP) da Universidade Católica Portuguesa, este é um fenómeno com o qual a sociedade portuguesa vive bem.

"O tema da imigração é fascinante. Neste momento, em Portugal não há uma resistência à imigração como há noutras sociedades. Eles não estão a roubar emprego a portugueses. Isso é uma coisa que se nota. Primeiro porque não há portugueses e depois porque os portugueses que querem fazer essas tarefas ou que estão disponíveis para fazer essas tarefas, preferem fazê-las onde ganham muito mais, nomeadamente noutros países da Europa, não apenas da União Europeia. Nós continuamos a ter emigração imigração em conjunto, sendo que temos muito mais, pela primeira vez em muitas décadas, imigração do que a emigração. A reacção da sociedade tem sido algo pacífica em relação a isso", declarou.

No entanto, para quem chega a Portugal, o entendimento não é o mesmo. A imigração entrou no discurso político e tem dominado algumas campanhas eleitorais, levando à depreciação dos imigrantes na esfera pública, como conta Ana Paula Costa, vice-presidente da Casa do Brasil em Portugal.

"Não há dúvidas que hoje a imigração é um grande tema de debate, tanto do ponto de vista político como do ponto de vista social. Sobretudo agora, no período das eleições. A imigração tem sido bastante politizada, sobretudo por um partido de extrema direita, a direita radical, populista como quiserem chamar, que tem instigado e mobilizado essa narrativa da imigração como um perigo, como um controle de fronteiras fechadas que que não devam entrar tentando criar uma perspectiva de integração a partir da assimilação de uma forma que nós não concordamos. E há vários estudos que dizem que esse não é o caminho da integração, por exemplo. E tem também tendo tiradas que são completamente xenófobas e claramente racistas", declarou Ana Paula Costa.

Em plena campanha eleitoral, o líder do partido Chega, André Ventura, que tem cerca de 17% das intenções de voto dos portugueses, tem enumerado algumas das medidas que implementar caso chegue ao Governo.

"Nós não queremos que ninguém vote em nós ao engano. Nós podemos ter mais imigrantes, mas os imigrantes têm de cumprir as nossas regras e não outras regras. E também temos que ser claros nisto. Nós não queremos mais bandidos em Portugal do que aqueles que já temos. Não queremos mais. Meus amigos, não é racismo nem xenofobia. Comigo será mesmo assim! Os portugueses primeiro porque é a eles que nós devemos primeiro dar o nosso apoio e a nossa condição", disse André Ventura num dos seus recentes comícios de campanha.

Mas não é o único a associar a imigração à insegurança, como fez também Passos Coelho, ex-primeiro-ministro do PSD, no início da campanha.

"Lembro-me de uma intervenção que aqui fiz por acaso em 2016, ainda no Pontal, em que disse nós precisamos de ter um país aberto à imigração, mas cuidado que precisamos também de ter um país seguro. Na altura o governo fez ouvidos moucos disso e na verdade, hoje as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento e de prioridade que se deu a essas matérias. Não é um acaso", disse Pedro Passos Coelho num comício da AD, a coligação que inclui o PSD, CDS e PPM.

Este é um discurso que não corresponde às estatísticas, já que apesar de a imigração ter aumentado em Portugal 98% desde 2014, esse aumento não se reflecte numa maior criminalidade já que segundo o Relatório Anual de Segurança Interna a criminalidade violenta e grave atingiu o terceiro número mais baixo desde 2014 em 2022. Quanto aos reclusos nas prisões portuguesas, em 2022, 84,7% tinham nacionalidade portuguesa.

Ao mesmo tempo, o número de queixas por xenofobia e racismo tem aumento exponencialmente. Só em 2022, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial em Portugal recebeu 491 queixas, comparadas a 60 em 2014.

"É muito nova e sobretudo em Portugal, a forma como isso tem sido colocado na esfera pública. Obviamente, partidos de extrema direita sempre existiram em Portugal. Infelizmente, o discurso xenófobo sempre existiu também, infelizmente. Mas com essa violência, com essa organização e com essa mobilização, é um movimento bastante novo que nós vimos aqui em Portugal. A prática do discurso, obviamente tem consequências reais na vida das pessoas, tanto no aumento da xenofobia, do preconceito. Porque quando uma pessoa individual na sua casa vê um líder político sendo agressivo, sendo xenófobo, sendo racista, associando a imigração, por exemplo, a criminalidade ou ao perigo, ela pode-se sentir mais autorizada a discriminar o vizinho", declarou Ana Paula Costa.

A Amnistia Internacional reconhece que o discurso em Portugal está "extremado" e que é preciso encontrar um equilíbrio sobre as fronteiras, de forma a proteger os imigrantes mais frágeis que possam estar a ser vítimas de tráfico humano, como lembra Pedro Neto, director-executivo da Amnistia Internacional Portugal.

"Há também aqui um outro aspecto que é preciso acautelar e que entra também nos discursos extremados da política. Uns que defendem as fronteiras totalmente abertas, outros que defendem as fronteiras totalmente fechadas. A solução não está nem num extremo nem no outro. As fronteiras têm que ser controladas para precisamente proteger as pessoas que possam ser vítimas de tráfico de seres humanos. Claro que o discurso político agora está distrativo a associar a insegurança, a associar a ideias de populismo coisas que os extremos já tentaram ensaiar aqui várias vezes: falar da imigração como problema nunca conseguiram. Agora estão a conseguir algo. Não sei se isto se vai traduzir no voto. Espero que as pessoas não se deixem enganar e que, portanto, isto não tenha qualquer tradução no voto", deseja Pedro Neto.

Com a extinção do SEF, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em Outubro de 2023, e a repartição das suas competências por diversas polícias e uma nova entidade, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, tornou-se ainda mais difícil navegar a legalização de estrangeiros o que tem levado a um aumento do tráfico humano em Portugal que atinge agora tanto homens como mulheres, como constanta a Amnistia Internacional Portugal.

"Nestes últimos anos o SEF foi extinto, as suas funções foram delegadas para várias outras instituições, algumas novas, outras que já existiam. Portanto, como todos os processos de mudança são complexos e por vezes confusos e a informação também é difícil de obter para nós, que vivemos cá e que dominamos a língua. Para alguém que chega, que não conhece nada, que não domina a nossa língua, todo este trabalho de perceber os meandros e como o que fazer para tratar de burocracias é muito mais difícil. Fica à mercê de pessoas ou pseudo-empresas que se oferecem para 'tratar disto'. E é aqui que atacam muitas vezes as redes de tráfico de seres humanos. São pessoas que se chegam com grandes ofertas e grandes ajudas que vão dar, mas depois vão é aproveitar-se destas pessoas que estão em circunstância de vulnerabilidade. O fenómeno do tráfico de seres humanos cresceu muito em Portugal, em termos percentuais", explicou Pedro Neto.

Estima-se que esta mudança da regulização de entrangeiros tenha levado a atrasos em cerca de 360 mil processos de pessoas que já vivem em Portugal. A Casa do Brasil em Lisboa ajuda e encaminha por dia entre 10 a 20 migrantes, brasileiros ou não, a compreenderem estas instituições recentemente criadas em Portugal e denuncia estes atrasos.

"A vida das pessoas acaba por ser prejudicada de forma muito factual mesmo, né? Porque o facto de a pessoa não conseguir renovar a sua autorização de residência porque não tem vaga ou porque o serviço não sabe como renovar ainda, porque está no processo de transição ou de ela ficar à espera um ano, seis meses", denunciou Ana Paula Costa.

Mas será que com um milhão de imigrantes e tal como defendem alguns partidos… Já chega?

Portugal é um dos países mais idosos do Mundo e, desde 2022 tem vindo a registar um aumento de nascimentos. Em 2023, nasceram em Portugal 85.764 nados vivos, um número só possível graças à imigração como explica o demógrafo Jorge Malheiros, professor do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa.

"Só pode mesmo ter a ver com as migrações e em particular, a imigração. Há cerca de 15 anos para cá que o saldo natural é negativo. Portanto, em Portugal morrem sistematicamente mais pessoas do que nascem. E é negativamente crescente porque nós fomos descendo. Ela era bastante elevada nos anos 60 e inícios de 70, depois vai caindo para valores que hoje são menos de metade do que se registava nessa altura, com menos população. Depois, antes da crise financeira, estaria pelos 100.000. Com a crise financeira baixa para 80, 80 e poucos e por aí fica. Enfim, terá subido um bocadinho, mas não regressa aos valores anteriores de 100.000 nascimentos. A mortalidade tem aumentado ligeiramente. Ora, este saldo negativo daria inevitavelmente uma perda de população se não houvesse mobilidade. Portanto, a única coisa que explica o crescimento da população de finais da última década e do início desta deste decénio é o número de entradas de pessoas, vulgo imigração", disse o demógrafo.

Para a economia portuguesa, a chegada de imigrantes é também uma boa notícia, como considera a economista Alexandra Ferreira-Lopes, professora Associada no ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa.

"A imigração para qualquer economia é sempre um excelente sinal. Se nós estamos a receber pessoas, é sinal de que, em termos relativos, o nosso país está melhor do que os países de onde essas pessoas vieram. Se são pessoas que são imigrantes com baixas qualificações, isso quer dizer que estão a vir porque nós estamos com melhores condições. Então, à partida, alguma coisa estará a funcionar melhor ou pelo menos relativamente melhor do que nos outros países. A imigração é sempre boa no sentido de que promove concorrência e estimula", concluiu Alexandra Ferreira-Lopes.

Comments